sábado, 1 de março de 2014

V de Vingança - Alan Moore (roteiro)


É impressionante como algo tão subversivo pode ser tão bem absorvido pela cultura pop e de massa atingindo um nível de produção industrial e vendável tão grande. Em praticamente qualquer lugar que haja um descontentamento com o governo, veremos pessoas utilizando a máscara de Guy Fawkes, imortalizada em V de Vingança. O Curioso é que antes do filme o quadrinho parecia ter ficado um tanto quanto no limbo. Havia sido lançado no Brasil com poucas tiragens e edições, sendo uma obra rara até pouco tempo atrás, quando esta edição que comprei invadiu as bancas e livrarias. Ótima estratégia de marketing.
Na entrevista dada anos posteriores ao lançamento, o roteirista Alan Moore fala que sua visão ainda era muito inocente e até mesmo otimista, pouco clara em alguns momentos. Nada disto tira o mérito do lindo roteiro escrito por ele, mas boas histórias também merecem alguma discussão.
O contexto de produção desta obra é os anos Tachter, marcados por um forte avanço do conservadorismo e da direita no Reino Unido, que apesar do seu crescimento econômico, não revelou uma melhora significativa para a população. Moore via no governo de Tachter uma ameaça possível, que por sinal pode atacar qualquer um a qualquer momento: o fascismo. Como a Guerra Fria ainda não havia acabado, fazia sentido em ver no governo o grande vilão, afinal é entre os Estados que vemos as ações mais complicadas sendo articuladas neste período, seja a guerra das Malvinas, proibição de usar calças jeans ou a espionagem e sabotagem, tanto a direita quanto a esquerda cometeram atos falhos por meio do Estado.
Em nome de uma pretensa ordem, Tachter passou por cima de várias conquistas que o povo inglês demorou anos de luta para conseguir. Como toda boa ficção científica, podemos perceber um grande exagero de situações presentes sendo jogadas para o futuro. Afinal o que nos impede de ver na violenta supressão a uma greve de mineiros (bem ilustrado em Billy Eliot) levar a supressão de outras liberdades, como a de ler e ouvir o que quiser, até o que farás com teu corpo, quem você quer beijar. Apesar do exagero, não podemos descartar a possibilidade de cairmos em fascismos. Temos uma direita ilustrada ali que não se preocupa em passar por cima de tudo para garantir o controle e a condução dos eventos. Ele sabia que sua ameaça real não era a KGB, mas sim Tachter e seu grupo. Afinal, Alan Moore morava na Inglaterra dos anos 1980, e não na URSS.
O grande acerto de Alan Moore é que as pessoas tem seu caráter particular, cada uma delas. Ou seja, não se pode prever com exatidão o que ocorrerá dentro de um período muito largo de tempo. E mesmo em curto espaço de tempo, as previsões nunca são algo certeiro, definitivo. Dai que revoltas populares são algo possível de ocorrer, e por mais que os jornalistas despreparados da impressa que temos dominando o Brasil afirmando, estas revoltas não são cíclicas1, elas ocorrem por motivos reais, o porém é a incerteza de prever até onde a população suportaria a pressão. Quanto tempo uma cidade aguenta sem mobilidade, sabendo que isso é possível e há dinheiro em caixa para isso?
Porém Alan Moore já nos alertou de sua visão demasiado “inocente” da época. Os acontecimentos recentes do Brasil nos mostram isso também, apesar dos protestos seguirem, a população se acalmou, afinal uma consciência política não desperta do nada, ela demora algum tempo e demanda algum esforço, tal qual qualquer outra atividade. Por isso se mostra muito otimista acreditar que num belo dia a população consiga se levantar contra o governo e após isso construir um novo e melhor governo. O que tento explicar aqui não é da impossibilidade disso, mas sim de que isto necessita um esforço enorme, e os tropeços haverão.
Por fim, V de Vingança acaba sendo tão bem aceito pelo fato simples de “vender” a Revolução. A ideia revolucionária é algo que está muito forte na nossa mentalidade, quase que independente da idade ou estrato social. Revolução e liberdade acabaram se tornando termos muito fortes, por mais complicados que estes termos sejam de se explicar.

1Só para constar, afirmar que algo na história é cíclico, tal qual alguns jornalistas defendem na impressa, são demonstra despreparo prático e intelectual, e claro, desconhecimento histórico. Temos uma desculpa furada para justificar alguma coisa mais macabra que os protestos, como uma ação policial (violenta).

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