quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Mondovino - Jonathan Nossiter


Além de cineasta Jonathan Nossiter é sommelier, por isso durante longos anos a fio ele foi percorrendo variadas localidades com sua câmera de mão para falar sobre vinho nos principais centros produtores. A ideia base que Nossiter carrega ao tratar do vinho, é o curioso fato de que durante um longo período da história humana, o vinho foi uma bebida que acompanhou as multidões. Era vinho o que a plateia do coliseu bebia, era vinho o que era servido nos bacanais gregos, era vinho uma das bebidas consumidas no Egito antigo ou na mesopotâmia, não por acaso é até hoje o vinho a bebida consumida num importante ritual religioso dos cristãos. Porém, em dado momento mais recente, coisa de não mais de duzentos anos, o vinho foi ganhando um caráter de aristocracia, de elite, de bebida nobre frente a todas as outras. É ai que as coisas começam a complicar.
Atualmente a indústria do vinho gera muito dinheiro, especialmente se olharmos para os vinhos mais famosos que ultrapassam tranquilamente os mil reais. Nossiter vê alguns problemas no consumo de vinho destes tempos pra cá. Seu status de bebida nobre frente todas as outras bebidas, é uma das coisas que mais afasta as pessoas do vinho, não propriamente evitando que elas consumam a bebida, mas que criem uma relação pouco produtiva com ela. Não por acaso, uma das primeiras cenas, dos primeiros locais visitados é uma plantação de uvas Malvasia na Itália. Duas falas marcantes são a de Nossiter explicando porque estava lá, dizendo que havia provado aquele vinho nua cantina ali perto e que gostou tanto que queria cumprimentar o produtor. O produtor por sua vez, que era um sujeito velhinho acompanhado de sua esposa, explica que a Malvasia era plantada por ele por uma tradição de fazer o próprio vinho da fazenda e de oferecer para as pessoas, tal qual se oferece café, em sua explicação ele lamentava que seus vizinhos não plantavam mais a uva, pois não valia a pena financeiramente.
Ao longo do documentário vai ficando clara a força que grandes empresas têm frente estes produtores pequenos, sejam alguns bem sucedidos franceses que conseguem vender seus vinhos ainda com algum caráter de boutique, seja um mestiço argentino acoado com sua pequena propriedade frente grandes produtores de vinho da região de Mendoza, Argentina. A problemática por trás destes pequenos produtores perdendo espaço para gigantescos e até mesmo transcontinentais conglomerados, é uma certa “standartização” do vinho. Isto fica claro na figura de Michel Rolland e principalmente de Robert Parker. A figura de Parker talvez seja mais conhecida. Certamente R. Parker é o crítico de vinhos mais famoso, e você vai ver a influência que ele tem assim que abrir qualquer site que venda vinhos online, e como vinhos mais caros têm o seu preço mais alto justificado através da pontuação dada por Parker. Desta forma, unindo as duas pontas de um enólogo como Rolland que passa o mesmo método produtivo para vários vinicultores e de um Robert Parker que define o bom e ruim no mundo do vinho unicamente através de seu paladar, teremos vinhos cada vez mais iguais, mais manipulados e sem caráter, sem uma personalidade específica. O alerta de Nossiter não é sem exagero, vide a quantidade de vinhos das castas Cabernet Sauvignon, Merlot, Sauvignon Blanc e Chardonnay. Isso que nem estamos falando de Tannat, Malbec, Syrah, Riesling ou Torrontés, mas podemos pensar em países com tradição vinífera de longa data, como Portugal, Espanha, Alemanha, Áustria, Romênia, Grécia, Turquia e Geórgia, cada um com sua forma de produzir e suas castas específicas. Certamente o filme de Nossiter nos ajuda a buscar vinhos menos óbvios e menos caros, como foi afirmado por ele numa entrevista, devemos beber vinhos de cinco até cem dólares, com o que ele complementou que raramente pagava mais de cem dólares pelo fato de poucos vinhos realmente valerem isso.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Primer - Shane Carruth


Aviso: talvez seja melhor ver o filme antes de ler sobre ele.
Primer tem um roteiro base simples, que você já viu em outros filmes: a viagem no tempo. Conhecemos as possíveis implicações que isto traria caso sua possibilidade se concretizasse. As implicações são conhecidas e variadas, desde não cruzar com seu duplo e interferir na ordem das coisas, até a impossibilidade de ir para o futuro, já que ele ainda não aconteceu.
O que surpreende, é seu orçamento de sete mil dólares e a forma com que a história é contada. Shane Carruth é graduado em matemática e trabalhava no desenvolvimento de softwares antes de iniciar sua carreira cinematográfica, e isto faz diferença na forma com que o filme é feito. A primeira coisa, e para mim o ponto mais forte, está no fato de não haver simplificação nos diálogos, especialmente entre os dois protagonistas, mesmo quando eles discutem o aparelho que estão desenvolvendo. A descoberta é por acidente, e o acidente torna crível a descoberta dos dois amigos, eles acreditavam estar desenvolvendo algo como um redutor de peso. Como aprendemos na escola, o peso se altera alterando a gravidade e uma distorção no espaço-tempo distorceria a gravidade, logo mudaria o peso. Acidentalmente, o que ocorre no aparelho desenvolvido pelos dois amigos em sua garagem, é uma curta viagem no tempo, sempre 6 horas atrás no passado.
Em princípio a ideia era aproveitar esta vantagem para ganhar um bom dinheiro na bolsa de valores todos os dias, já que os dois são engenheiros em empresas privadas de desenvolvimento de tecnologia e sabem que o mais certo é serem demitidos quando sua vitalidade diminuir e seu salário aumentar, ali pelos 40 anos. São coisas como essa, que aparecem de soslaio ao longo do filme, que dão o toque de real para ele, que muitas vezes falta em outros filmes sobre viagem no tempo. Para reforçar esse ar de realidade e seriedade que temos ao longo de todo o filme, a estética sempre preza uma imagem complicada, pouco clara, confusa, nos produzindo um estado de pré-viagem com o tempo. A confusão narrativa é proposital, tomar contato com outras temporalidades que não a do presente, sempre nos produz uma sensação das mais estranhas – e como historiador devo dizer, das mais prazerosas também.
Desta forma, são pontos como esse, que para além do baixo orçamento de Primer, que usou e abusou de amigos e conhecidos de Carruth como atores e figurantes, bem como suas casas suburbanas, que tornam o filme interessante, conseguindo ser sério, nos prender e o melhor de tudo, não nos tratar como completos imbecis frente à tela. Afinal, se era preciso tratar de um tema já tão batido como a viagem no tempo, era necessário trazer algo de novo, Shane Carruth conseguiu.