Caio Prado Júnior é daqueles clássicos que quando lemos, nos
perguntamos como pôde passar tanto tempo sem o ter lido? Formação do Brasil contemporâneo,
lançado 75 anos atrás, mais precisamente em 1942, continua tratando
de um Brasil atual. Seu recorte focado no Brasil colonial e seu
processo de colonização. A obra é famosa por apresentar os famosos
ciclos econômicos. Por entender o período colonial enquanto momento
de gênese do Brasil, compondo o período mais extenso da história
do país com aproximadamente 300 anos, é neste período que podemos
perceber elementos de continuidade desde longa data. Basicamente, o
elemento que carregamos desde o período colonial é a extração de
recursos primários para exportação as nações centrais. O modelo
de empreendimento está rascunhado nas grandes propriedades e no
emprego de mão de obra barata (escrava, semi-escrava ou quase isso),
acompanhado de baixa mecanização (braçal), pouca mobilidade
social (sociedade escravocrata), baixo dinamismo (monocultura), altos
lucros e a inventividade (tecnologia) mais erma possível.
A partir destas características gerais, os ciclos se desenvolvem com
suas peculiaridades. Podemos falar de três grandes ciclos: a
cana-de-açúcar, o ouro e o café, que apesar de ter seu momento de
glória apenas após a independência, mais precisamente na segunda
metade do XIX, o assunto é ensaiado por Caio Prado Júnior, como
também é um ciclo com seus primeiros passos no período colonial.
Por se tratar de uma economia voltada para exportação aos mercados
das economias centrais (Europa ocidental), este será um dos
elementos que favoreceram o povoamento restrito ao litoral, mantendo
os centros de produção o mais próximo possível dos portos e
desconectados entre si. Este modelo latifundiário e monocultor
tornava as condições de trabalho extremamente pesadas e
desagradáveis, recorrendo a mão de obra escrava, tanto indígena
quando africana. Os indígenas foram escravizados das formas mais
distintas, e seu emprego entrou em declínio conforme o número deles
diminuía – epidemias e serviço pesado associados a péssimas
condições de trabalho favorecem o extermínio de populações. Como
era utilizada mão de obra escrava, e por isso barata, a preocupação
com o desenvolvimento de novas técnicas era nulo e até mesmo não
incentivado, situação que piorou após a independência das 13
colônias, gerando o entendimento de que o desenvolvimento de
manufaturas favoreciam a busca por independência.
Por serem latifúndios monocultores
voltados para altas margens de lucro, as crises de escassez de
alimentos eram constantes, dado que os fazendeiros não viam vantagem
em ocupar terreno plantando alimentos como mandioca ou milho, quando
a venda de açúcar ou a extração d'ouro se mostravam mais
rentáveis, possibilitando maior lucro ao comprar esses alimentos em
vez de plantar. A crise de alimentos era constante, em regiões como
em Pernambuco, onde a geografia menos acidentada favorecia a extensão
dos latifúndios. a situação era mais grave. Enquanto no Rio de
janeiro mais acidentado, provendo pequenos espaços menos favoráveis
ao latifúndio monocultor, as pequenas e médias propriedades se
concentravam na produção de alimentos básicos como: milho,
mandioca e feijão. A solução encontrada para produção de
alimentos sem atrapalhar a monocultura foi a criação de gado.
Criado solto após as regiões monocultoras, na hinterland,
se alimentava do que era oferecido pela natureza sob a vigilância de
alguns vaqueiros, tornando sua manutenção barata. Outra vantagem é
que o gado se transporta até os centros de abate e consumo, também
barateando seu transporte.
Assim sendo, temos retratado a pauta
da economia brasileira a partir de sua gênese colonial, período
mais extenso de nossa história, e por isso nos legando os traços de
continuidade mais rígidos, apesar de rupturas significativas. Mesmo
com todas as transformações ocorridas desde a independência ou
1942 (ano de publicação da obra), continua complicado sob uma
análise mais abrangente do Brasil, não perceber a dependência
econômica na extração de commodities para
a venda no mercado externo. Bem verdade que, algum maior grau de
manufatura se apresenta, assim como não há a dependência de um
único setor como foi outrora em relação ao café, e as
exportações, ainda que majoritariamente para os países centrais,
também encontram espaço em
outros mercados. Mas, nossa mão de obra continua barata, os
latifúndios ainda predominam, o grau de manufatura é limitado o que
não só agrega pouco valor ao produto, como dificulta a importante
mobilidade social, as patentes ainda são poucas e algo do mais
significativo, a maior parcela da população brasileira continua
morando em até 100Km de distância do mar. Transformar esta
estrutura colonial que carregamos talvez seja um dos maiores
desafios.
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