segunda-feira, 29 de junho de 2015

A cidade polifônica - Massimo Canevacci


A cidade emite sons. A cidade comporta mais elementos do que sua forma física. A cidade é polifônica, pois não se constitui de maneira heterogênea. Como o próprio nome indica, Massimo Canevacci vai procurar decifrar os sons, significados e linguagens na cidade de São Paulo durante a década de 1980. Estamos falando de um momento muito particular, se por um lado temos a redemocratização, de outro temos um país de capital cada vez mais aberto. Tudo isto reflete no urbano.
A grande sacada do autor com este livro, é sua atenção para a comunicação urbana. Esta comunicação não é a entre duas pessoas, mas sim a da cidade, de seus prédios. Assim como os outdoors, as construções também têm signos. Como a cidade comporta mais do que um tipo de gente, temos vários sons sendo produzidos. De alguma forma é a dialética silenciosa da cidade, onde devagarinho uma construção é derrubada, sua fachada, estrutura e toda composição arquitetônica, construída num tempo e carregada com seus significados, perde seu lugar para que se construa algo novo, com outros significados e objetivos. Vemos isso o tempo todo e acabamos não nos dando conta, afinal, pelo menos uma vez você passou por um lugar e se deu conta que uma antiga construção já não estava mais lá, e sim algo completamente diferente. Se por um lado vemos moda nas construções, onde numa época se fixam pedras na parede, noutra o uso de cobogós e brises ao exagero, até as calhas escondidas e os gesos no teto das casas, tudo isto carrega significado, quer dizer alguma coisa, não fosse assim, da onde a maçante presença do “eme” amarelo daquela cadeida de fast-food? Ou o que dizer das novas assembleias e templos de Salomão? Não podemos esquecer dos condomínios e dos shopping centers, que parecem todos feitos pela mesma pessoa, já que seu desenho pouco muda. Para completar temos as construtoras que fazem questão de cunhar sua marca em suas construções, pois assim vendem algo mais do que apartamentos e salas comerciais.
Tal qual uma orquestra, devemos perceber na pluralidade de sons qual é o significado, o que se está querendo dizer em meio a essa polifonia. É um livro chave para percebemos no caos cotidiano do urbano um sentido. Desta forma podemos ler o urbano, enxergar suas nuances, suas frestas e até suas fachadas. Pensar o plural, não quer dizer aceitar um vazio de significado, eles estão ali, em disputa, em hibridização, em evidência ou em esquecimento.

domingo, 14 de junho de 2015

Neuromancer - William Gibson


Neuromancer é um daqueles livros terríveis de se ler, não pela experiência da leitura, mas sim pela dificuldade em encontrar algo próximo a obra depois de lê-la. Apesar do livro ser relativamente famoso e importante, tanto por carregar uma ficção científica diferente, quanto por constituir a base de tanta coisa genial como Blade Runner ou Matrix, muitas pessoas discutem porque até hoje não houve uma adaptação para o cinema desta obra. Realmente é um mistério.
O futuro desta ficção é um daqueles futuros desapaixonantes, marcados pelos anos 1980 (o livro é de 1984), onde a crença numa futura hegemonia japonesa era bem real e a aceitação da continuidade da União Soviética algo bem sólido. Gibson porém é um sujeito atento, e sabe ler mais do que as letras grandes. A china está ali, produzindo um vírus potentíssimo, o Brasil é um lugar importante, apesar de secundário sua potência econômica não pode ser ignorada e, os rastafáris coroam a obra com sua mística. Junto a isso temos o mercado de hackers claramente pautado no tráfico de informações e financiado pelo setor privado, apesar de termos os sujeitos institucionalizados, seja pela polícia Turner, ou pelas forças armadas. No meio disto temos também alguns desgarrados, que hackeiam por outros motivos mais variáveis. O que a meu ver, condiz em muito com a realidade. Fica a brecha para imaginar como se constitui este universo desconhecido dos hackers.
A história em si, é apenas divertida, seu desenrolar não traz grandes lições ou ensinamentos sobre a vida, isso contudo não lhe impede de transbordar possibilidades para o pensamento. É nos detalhes que cercam a trama, que as coisas se mostram interessantes. Um dos pontos seria a sua estética, muito bem marcada por um mundo subterrâneo, escondido, que mostra coisas para além da superfície, e sem dúvidas isto influenciou desde as obras citadas acima, como talvez até mesmo a série 2099 da Marvel ou quem sabe até mesmo Akira, o anime de 1988. Afinal, Gibson é frequentemente apontado como o pai do termo Cyberpunk. Junto a tudo isso, temos o constante uso de drogas, seja para aguentar as pressões do serviço (durante ou após ele), quanto para desenvolver um estado contemplativo, que seria o caso dos rastafáris. Dando uma abordagem mais realista, pois também não esconde todos os problemas advindos dai.
Além disso, a dominação total de elementos construídos pelo Homem dominarem a totalidade da dimensão, sendo uma planta ou carne “de verdade” um luxo, nos ajuda a pensar a proporção que desejamos tomar. O Sprawl é uma megalópole do tamanho de um país, e o que fazemos para evitar que isto não aconteça? Por fim, o peso real do mundo virtual, que nesta história pode ser até mesmo a causa mortis durante seu uso, é uma referência clara a interconexão das ações, por mais “virtuais” que elas aparentem, ou apenas uma forma de tornar a história mais interessante? Confesso que em alguns momentos, pode não haver muita distinção entre os dois mundos.