quarta-feira, 15 de abril de 2015

É isto um Homem? - Primo Levi


O problema eterno de se falar da experiência, é que no final, por mais que se diga, se explique, mesmo com toda a riqueza de detalhes, nunca daremos conta dela. A experiência só pode ser sentida quando experimentada, e muitas delas nós não queremos experimentar, mas ao mesmo tempo não podemos ignorar, pois foram fundamentais para definir algumas diretrizes de um tempo. A Segunda Guerra foi isso para o século XX, e dentro dela não podemos esquecer o horror dos campos de concentração. Devido a sua eficiência, os sobreviventes não foram muitos, e é sempre difícil falar de coisas desagradáveis. Primo Levi consegue falar da experiência em um campo de concentração de forma magistral. Você simplesmente lê o livro de uma maneira envolvente.
O primeira coisa que nos espanta é o sofrimento por fome. A comida nunca é suficiente, e com o tempo vai se transformando numa questão de sobrevivência. Dado óbvio, mas esquecido na cotidianidade das refeições diárias. Se não olharmos para o relato de Levi, teremos alguma dificuldade em entender a tolerância com que uma nação teve com o extermínio de um grande número de pessoas. A obra deixa claro como o tempo todo se está tentando destruir um Homem, travesti-lo de algo abaixo do humano para autorizar seu extermínio, tirar suas condições de humanidade. Esta era a maior produção dos campos.
Vale ressaltar que os campos não foram exclusivos dos alemães ou soviéticos, já existiam antes, seja na Namíbia (África Ocidental Alemã), na guerra contra os bôers ou na Rússia czarista. Seu rascunho já estava lá. Pode ser dolorido aceitar que o campo de concentração está ligado ao desejo moderno de redesenhar a sociedade. É com a modernidade que o Homem vai se ver como um condutor do tempo. A possibilidade de construir a sociedade desejada se coloca. O nazismo também pretendia isso, apesar de retrógrado e conservador, pretendia também redesenhar a sociedade, e era através do extermínio que a perfeição seria alcançada. Para nos ajudar sobre a dimensão dos campos de concentração, se fala que algo em torno de 90% dos falantes de ídiche, até então língua dominante entre os judeus, foram mortos em campos de concentração. Não só judeus foram mortos, e o livro nos mostra bem, temos ciganos, comunistas, presos políticos de maneira geral, sabemos também dos homossexuais e testemunhas de jeová. Muita gente estava na mira dos nazistas. Não seria exagero dizer que o desejo era extirpar o “outro”, o diferente, para eliminar qualquer tipo de tensão.
Cabe observar aqui os debates em torno do número de mortos em campos de concentração nazista. De fato sabemos que o número está na casa dos milhões, mas precisar isto pouco diminui o desejo e os efeitos da morte.
O relato é vivo, podemos sentir a intensidade com que a morte ronda, e de como se batalha pela vida. Curioso como a desobediência era o único caminho para sobreviver, mas esta desobediência deveria ocorrer na medida certa, pois caso fosse muito drástica, havia um local certo para realizar o enforcamento. Também podemos pensar nas resistências possíveis, como a explosão realizada num dos fornos em Auschwitz, sobre como as resistências que não partiam dos EUA e da URSS foram apagadas e deixadas no esquecimento, dando a impressão de que estes seriam os dois grandes salvadores – imagem muito ligada a posterior batalha da Guerra Fria.
Lendo o livro podemos entender a importância de cita-lo numa obra como Invasões Bárbaras, um filme que problematiza o fim de um século mal acabado, tanto no sentido de sua recenticidade quanto de suas questões, ainda pulsantes. Podemos marcar a Segunda Guerra como um evento chave para entender nossa temporalidade, talvez por isso um fascínio tão grande para além das pessoas que compõem os círculos historiográficos.

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