sexta-feira, 20 de junho de 2014

Nebraska - Alexander Payne (dir.)

     Ao mesmo tempo que o cinema americano é único por criar filmes e narrativas muito belas, bem elaboradas e de um nível muito particular, há na maior parte dos filmes uma repetição de mais do mesmo. Nos últimos tempos é perceptível nos filmes americanos mais sérios, como por exemplo alguns ganhadores do Oscar, tentativas de renovação. Querendo ou não Crash – no limite fez isso ao abordar vários problemas presentes na sociedade americana. Mesmo que não tenham dado conta do recado, a tentativa foi feita e deixaram clara uma necessidade estética de renovação e um caminho possível.
     Nebraska segue no mesmo caminho, sua escolha pelo preto e branco já é algo que indica esta tentativa e o objetivo de um caminho no mínimo pouco usual. Não apenas isso como também abordar temas tão caros aos EUA. Cabe abrir um parênteses aqui antes de continuar que é, independente do que se diga dos EUA, eles são sem dúvida uma referência desde algum tempo, sem nenhuma objeção. Por outro lado, o caráter dessa referência é assunto para outros debates necessários como o feito no livro O imperialismo sedutor. Porém, os anos 2000 e o que veio depois (UE, BRICs, etc) mostraram que este país já não é mais tão dono do mundo quanto era antes.
     É ai que podemos começar a fazer alguma análise do filme, e é importante deixar claro que isto não é nenhuma decifração subliminar de onde os envolvidos com o filme quiseram chegar, mas sim uma visão possível, um ponto de vista entre milhares sobre o filme. Primeiro fato a ser constatado, temos pelo menos três gerações muito bem desenhadas no filme, o personagem principal que aparece alinhado com as pessoas que participaram, ou quase, da segunda guerra mundial e guerra da Coréia, que é querendo ou não um ponto de virada, a geração dos 1970, que já sobreviveu e passou pelos conturbados anos 1960, e a turma que existe depois de 1990.
     Mais do que o Alzheimer e a inocência com o personagem chave do filme que quer porque quer buscar seu prêmio numa distante cidade, temos nele a representação de um tempo já passado e que sobrevive nos arquivos e na saudade (ainda presente na memória e lembrança das pessoas participantes deste tempo), ele é fruto desta época quase apagada. Da mesma forma que ele está decrépito e a ponto de deixar de existir, o tempo do qual ele fez parte também está lá. Algo que fica claro conforme seu filho vai descobrindo o passado de seus pais (algo sempre revelador), é que ele já foi muito mais do que um simples senhor respeitável que volta para casa após um dia de trabalho, podemos ir na crista de Robert Crumb e enxergar um certo brilho no passado americano que vai se extinguindo e sumindo conforme o tempo passa.
     Por outro lado os dois filhos do personagem principal do filme seriam um segunda geração iludida e presa nas promessas de uma carreira promissora e abuso dos bens de consumo, seja enquanto apresentador de sucesso ou trabalhador empenhado. De alguma forma as promessas são feitas e cada vez mais se sente estar próximo a elas, ao mesmo tempo que algo importante esteja faltando, nem que seja sua família ou namorada. Numa ponta final temos pessoas que nada mais querem do que beber cerveja, ver TV e não fazer absolutamente nada durante o resto de sua vida, “curtir geral” seria mais do que uma meta, é uma responsabilidade.
     De certa forma podemos perceber em Nebraska um diálogo da sociedade americana atual com o seu passado, mais do que fazer uma crítica é preciso fazer uma análise, sentar no divã e olhar para trás. Afinal os tempos eram duros, mas haviam coisas gloriosas. Enquanto a atualidade é fácil, mas passa a sincera sensação de estar desmoronando pelas bordas, seja pelo desemprego, pela clara impossibilidade de crescimento profissional, quanto pelo esvaziamento cada vez mais claro das cidades, seja pela via expressa quanto pelo êxodo rural. Não só temos a dificuldade de envelhecer, como temos também a dificuldade de sobreviver hoje em dia ilustrados no filme, problema pelo qual todos acabam passando. Neste sentido Nebraska aparece como um filme que busca dialogar com a sociedade americana atual.



quarta-feira, 18 de junho de 2014

O Oriente das Cruzadas - George Tate

     A Idade Média é um dos períodos mais interessantes e incompreendidos da história, parecendo fazer uma ponte entre o mundo antigo e o moderno, o período médio foi conturbado, plural e nem tão obscuro e atrasado quanto se supõe. Nada disto apaga atrocidades e confusões, a exemplo das Cruzadas, algo tão famoso e pouco recordado por nós, “ocidentais”.
     O livro de George Tate não se dirige exclusivamente a especialistas, pode ser facilmente lido por qualquer curioso, é um resumão de como ocorreram estas cruzadas. Seu ponto mais inovador é o enfoque num ponto de vista “oriental”, dando menor enfase ao ponto de vista cristão europeu. Problemas sérios das cruzadas são mostrados, como por exemplo o curioso fato de que os bizantinos – também cristãos – se viam mais próximos e semelhantes aos árabes, enxergando os francos como um povo bárbaro e incivilizado, e personalidades como Renaud de Chântillon acabam não fugindo da ilustração do cavaleiro sanguinário e com um certo grau de lunático, devido a suas empreitadas guerreiras desprovidas de qualquer senso estratégico. Para Renaud de Châtillon, e a bem da verdade para boa parte dos cruzados, o fato de carregarem o símbolo de Deus os impediria de perder, tal qual ocorrera com Constantino I.
     O mais fantástico do livro é sua abordagem que não coloca o “ocidente” num pedestal até porque dividir o mundo entre “ocidente” e “oriente” ainda parece ser algo complicado para a época. Boa parte das fontes e citações são de historiadores árabes da época ou judeus, isto sem abrir mão das fontes europeias sobre o assunto. Desta forma temos um trabalho mais sério e conciso do que se poderia esperar de uma obra voltada para não especialistas em história.
     Da mesma forma que mostra todo o lado nada glamouroso das cruzadas, o autor aborda de maneira séria o assunto, deixando o sensacionalismo histórico de lado, a ilustração dos cavaleiros cruzados como simples fanáticos religiosos que levaram sorte e conseguiram conquistar Jerusalém como pura sorte, se mostra incorreta. Devido a seu olhar para o outro lado do conflito, podemos perceber que brigas internas entre os árabes, terceiros e quartos elementos também a espreita de novos territórios, ajudaram e muito os cruzados nas suas conquistas. Muitas vezes vistos como problemas menos urgentes, o senso estratégico levava a decisão de uma tolerância maior com as movimentações na Palestina, isso contudo não pode levar ao entendimento de uma fraqueza ou entrega destes territórios para o cavaleiros de cristo. Ao mesmo tempo que os europeus tinham um exército significativamente menos numeroso e poderoso que o árabe, em especial pelo regresso de boa parte dos cristãos após a conquista da terra santa, eles possuíam a vantagem da armadura, tornando seu exército (principalmente a cavalaria), mais pesada e robusta que a árabe – por sua vez muito mais numerosa. Desta forma os generais árabes sabiam que a reconquista daqueles reinos latinos do oriente, não eram uma tarefa impossível, mas seria da mesma forma muito dura e era difícil precisar a força de seu golpe.
     Pela abordagem do filme Kingdom of Heaven de Ridley Scott, há uma influência clara do livro de Tate. Além de pensarmos a idade média e as cruzadas por meio desta obra, podemos também começar um diálogo sobre um tema caro para os historiadores, escrever obras que não sejam dirigidas para o público especializado, o que querendo ou não se mostra um desafio. Apesar disso fazer uso da crença comum de que historiadores não sabem escrever para não historiadores, se mostra um argumento pouco sólido, já que obras como O queijo e os vermes, História do Brasil para ocupados, as “Eras” de Hobsbawn, boa parte do trabalho de Boris Fausto e revistas como a RHBN, deixam clara essa possibilidade e existência.