segunda-feira, 24 de março de 2014

Sobre o conceito da história - Walter Benjamin

          Apesar de Walter Benjamin raramente ser indicado como historiador, seus trabalhos acabam sendo muito significativos neste campo, especialmente quem desenvolve interesse pela estética e literatura. Hannah Arendt deixa bem claro no seu Homens em tempos sombrios a paixão de Benjamin pelo passado. Seu relacionamento com historiadores e essa sua paixão acabaram levando de uma forma ou de outra a sua tese sobre o conceito da história.
          Como se sabe Benjamin tem seu pensamento marcado pelo materialismo dialético, porém sempre vale lembrar que esta delimitação teórica adotada e reconhecida nele, ocorria de maneira não ortodoxa.
Quando se pensa na história é necessário pensar o tempo. Com o desenvolvimento da teoria materialista histórica dialética, teremos uma forma de compreender e explicar a história. Temos que entender que nessa época a escola dos annales está dando seus primeiros passos e a historiografia é marcada pelos alemães e a herança de Ranke. O lema era wie es eigentlich gewesen (como isto realmente aconteceu), o que acabava limitando o pensamento histórico devido a necessidade de erigir apenas uma verdade, que depende de uma única forma de ver o mundo, que depende de pouca inventividade. Benjamin também era influenciado por Nietzsche, por isso sua visão crítica para uma única metodologia de buscar esta verdade e até mesmo por esta busca da “verdade verdadeira”. Afinal de contas, o materialismo histórico dialético nos deixa claro que as relações entre os homens são plurais demais para reduzirmos a uma única forma de ver.
          Observando o quadro teórico da época, as teorias desenvolvidas por Marx acabavam se mostrando uma ótima opção para a composição de uma história crítica, que se prezasse a mais do que um acúmulo de fatos. Porém este método materialismo histórico traz uma relação importante da modernidade, uma relação temporal. Os historiadores lidam com o tempo, por isso é fundamental pensar sobre ele. Neste ponto somos marcados por formas de se perceber no tempo. A noção de futuro e progresso nos faz crer que somos agentes da história, Marx faz isso ao conclamar a união dos proletários, da mesma forma que as esperanças depositadas no avanço da ciência nos levam a crer que podemos conduzir nosso destino. A modernidade pretendia dominar a natureza, o tempo é algo natural também, por isso não é estranho este desejo por dominá-lo, conduzi-lo, de interferir na história. Há um futuro a ser construído, e este futuro se faz no nosso presente marcado pelo passado. Tal qual fala Benjamin “não existem, nas vozes a que agora damos ouvidos, ecos de vozes que emudeceram?”1. Apesar desta relação com o tempo que já passou, qualquer caráter cíclico não está aqui abarcado.
          Temos o reconhecimento de que batalhas presentes se dão pelo passado, seja o comércio turístico, questões como as cotas e o racismo que marca a sociedade brasileira, o machismo de cada dia e até mesmo pessoas desejosas de um retorno à uma sociedade segregada que privilegia uns em detrimento de outros porque marcham com Deus e a família, por exemplo. Usam do passado e se apoiam na história, independente deste apoio se dar pela mão direita ou esquerda, somos todos modernos e por isso buscamos este chão, este apoio. Este suporte buscado na história é importante deixar claro, não faz que o simples ato de utilizar-se do passado seja o mesmo que utilizar-se da história. O passado já não existe mais, já ocorreu, restou apenas a reminiscência, o presente ai está nos deixando marcas conforme passa por nós, e o futuro se mostra o mais abstrato e incerto de todos, provavelmente por isso qualquer previsão sobre o que irá acontecer tem chances limitadas de acerto.
          O historiador se apropria dos escombros do passado, e a partir destes fatos e dados consegue compor a história se apropriando “de uma recordação, [que] relampeja no momento do perigo”2. É necessário partir de algum ponto concreto, afinal o conhecimento histórico tem contornos de ciência, e o primeiro passo dado no sólido é recebido pelo presente. Desta forma o presente é que coloca quais os perigos, quais as dúvidas e batalhas que ocorrem, a especialidade do historiador é olhar para este passado, a esta gigante galeria escura onde só se pode entrar com uma caixa de fósforos e ascendê-los um de cada vez. Nós historiadores pegamos os destroços do sólido que desmanchou no ar, e tentamos compreender como e para onde podemos ir. Nada disto ocorre de forma unânime.

Nenhum comentário:

Postar um comentário