quinta-feira, 6 de março de 2014

Isto não é um cachimbo - Michel Foucault


Tudo começa com uma piada onde nos perguntamos, “como assim não é um cachimbo?”, até podemos tentar olhar atrás do quadro buscando uma resposta, mas não vamos ver nada mais do que o verso de uma pintura. O que deve ser analisado está ali na frente e nada mais, não há nada escondido, pelo contrário, a dica até mesmo é dada para nos ajudar a entender. Para evitar qualquer dúvida se escreveu afirmando que aquilo não é um cachimbo. Magritte certa vez declarou sobre o quadro inquirindo seus inquisidores: “vocês conseguem encher meu cachimbo de tabaco? Conseguem fumá-lo?”. A resposta é óbvia, aquilo que de certa forma não têm segredo algum, nada disso é possível, afinal isto é a representação de um cachimbo, não o cachimbo em si. Para iniciar a conversa, de certa forma não se diz a verdade, mas se está longe de mentir.
Se alguém desejasse colocar um ponto final nesta conversa e se esquivar do assunto diria que a “verdade é relativa para cada pessoa”, quando o problema é mais profundo. O que torna uma verdade “a” verdade? Independente de ser para todos ou para um grupo, por muito tempo ou por pouco? Sabemos que aquilo é um cachimbo, nossa dúvida se dá na afirmação de que aquilo não é um cachimbo, mesmo se parecendo com um, não passa de sua representação, a representação por sua vez não é verdadeira mais sim verossimilhante. De maneira simples a verdade o é, a verossimilhança indica ser – ou seja não é, mas tudo indica que o seja.
Neste sentido a produção da verdade entra neste jogo com a verossimilhança. Um historiador por exemplo, não consegue recuperar o passado, por melhor que seja seu trabalho, ele não consegue trazer o passado à tona, reproduzi-lo, senti-lo, na melhor das hipóteses tudo que se consegue é riscar um fósforo por vez numa sala escura, como ilustrou Benjamin, permitindo observar fragmentos e trazer à tona alguns elementos, nunca o passado inteiro. Não se pode reviver o passado, na melhor das hipóteses, o que se consegue é espiá-lo. Dai que neste sentido o historiador não tem como resgatar o passado no sentido muitas vezes dado a história, o que ele consegue fazer é a partir de suas evidências formular uma representação de como pode ter sido aquele passado, ou seja, não se faz literatura, mas sua produção de verdade se dá pela verossimilhança. Da mesma forma que a pintura não é um cachimbo mas indica ser um cachimbo, um historiador através de suas fontes indicará o passado, sem contudo ser aquilo o passado, é um texto produzido através de um sério estudo sobre como algo ocorreu, mas não é aquele evento, não é aquela sensação. Tal qual um relato não é o acontecimento, mas sim uma representação daquele acontecimento. Quando muito, se lida com a memória – mas esta também “engana”.
Nada disso é a verdade em sua forma pura (por sinal fica uma dica, pare de buscar “a" verdade absoluta) mas só por não se-la, isto não significa ser seu antônimo, temos por isso a verossimilhança. Se representou de maneira tão convincente, tão bem elaborada que chegamos a compreender aquilo como a verdade, mesmo que tal qual o cachimbo, sabemos que não é, que não dá conta do todo, já que afinal, por mais parecido que seja com um cachimbo, é impossível enche-lo de tabaco e fumar, por mais parecido com o passado, não o é. Tudo não passa de uma ilustração de algo que já não existe mais. Este jogo da verossimilhança não se aplica unicamente ao conhecimento histórico, mas sim a produção da verdade onde quer que ela ocorra.

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