domingo, 30 de março de 2014

Duas Narrativas Fantásticas - Fiódor Dostoiévski


Com sua saída do cárcere, Dostoievski parece intensificar sua produção literária, este período é o do surgimento de seus grandes volumes, O idiota, Os demônios, Crime e castigo são apenas alguns exemplos deste segundo período na vida do autor. Junto com todo este lado óbvio de um escritor, Fiódor Dostoievski era fascinado por jornais. Havia já empreendido dois, Tempo e Época, que acabaram quebrando. Após estas duas tentativas faz sua terceira, O Diário de um escritor, que se tornou finalmente um sucesso. Todo texto publicado neste diário era de sua autoria.
É interessante que por ser uma narrativa mais corriqueira, as coisas precisam se desenvolver logo, abrindo pouco espaço para discussões aprofundadas ou elaboradas como observamos em Crime e castigo ou em Os irmãos Karamázov. Estas duas narrativas fantásticas são bem particulares e distintas entre si, por isso serão tratadas em separado. Ademais, já é importante frisar que estas análises são pouco originais e se restringem a obra do autor – mero exercício, pois não há grande embasamento aqui.
A dócil
Rastrear Dostoievski sempre se mostrou uma tarefa difícil, num texto ele arregala os olhos para os atrasos da Rússia, noutro afirma que o Czar, apesar de tudo, é necessário para manter um desenvolvimento original russo, diferente do europeu ocidentalizado tomado como exemplo por boa parte da intelligentsia russa. Não podemos trata-lo como um simples “progressista”, termo muito usado por aí, nem como um apoiador das tradições, da família e da propriedade. Entre todas essas confusões possíveis para nossas mentes tão acostumadas com rótulos prontos, sabe-se que Dostoievski não via no sexo feminino uma inferioridade natural em relação ao masculino, pensamento por sinal muito comum em seu tempo.
Seria exagero colocá-lo como um feminista, mas muito maior seria colocá-lo como um típico machista. Sua aversão a prostituição se dá por mais do que um cunho moral, ele parece ver nesta prática uma manutenção da posição desprivilegiada da mulher na sociedade do século XIX, serviente ao homem.
A personagem de A dócil, como tantas outras personagens femininas de suas obras, se apresenta como uma garota tímida, recatada, inocente, e por estas suas qualidades, apaixonante! O dono da pensão se enamora por ela, mas a relação entre os dois não se dá pelo amor, mas sim por algo parecido a um acordo. Ele a salva de um casamento terrível, e ela em troca aceita o papel de esposa. O curioso é que ao longo de toda história o casal se conflita. E dela se espera justamente esta conduta de mulher do século XIX, calada, que não ousa discordar (abertamente) de seu marido e sempre disponível.
Junto com este quadro que podemos esperar para época, os dois se respeitam e desenvolvem uma relação particular, apesar de todos os seus pesares, onde o marido parece se esforçar para não passar por cima dela. Em suma, o texto parece apresentar contornos para aquilo que chamaríamos de machista, mas não demonstra ser esta sua intenção, afinal ela não veste exclusivamente as vestes de uma mulher dócil, por mais próximo a isto que ela alcance e se represente. Ele por sua vez não seria um sujeito que milita contra o machismo. O foco se demonstra muito mais religioso, especialmente pelo fato da santa. Mas alguns contornos estão ali e é interessante olhar para eles. Basicamente os personagens femininos de Dostoievski ou são extremamente tímidas que pendem realmente a uma docilidade, ou acabam se mostrando altamente independentes, não ficando claro com qual tipo de mulher ele simpatizaria mais.
O sonho de um homem ridículo
O inconsciente gera questionamentos desde muito tempo, por isso a ocupação tão grande da humanidade com seus sonhos, já que este seria o elo entre o consciente e o inconsciente. Nossa tradição freudiana nos leva a entender os sonhos como reveladores, em especial de desejos. O personagem aqui, tal qual como em várias outras histórias, demonstra ser extremamente perturbado pela sua existência. Não parece acreditar em nada.
Mesmo com seu começo indicando mostrar aquilo que deixou Dostoievski famoso, ele acaba se direcionando para o tema da sociedade ideal. Acaba caindo na ideia de que havia uma sociedade perfeita a princípio, que depois sofreu alguma corrupção em seu sistema, alguma mentira contada, alguma trapaça feita, que acabou corrompendo toda uma sociedade.
Este tipo de raciocínio é marcado pelo pensamento cristão, do qual o russo sempre fora adepto, de Adão e Eva sendo corrompidos pela serpente, levando a todas as dores posteriores da humanidade – seja engravidar ou morrer. Ao fim da história o que podemos interpretar é que o sujeito desejava destruir a si mesmo como se pretende destruir o mundo em que se vive, pois tal qual o personagem, ambos são doentios. Mas a existência de uma sociedade melhor em algum momento, parece demonstrar ser possível novamente restaurar estes danos, afinal, este equilíbrio já foi alcançado uma vez e por isso seria possível.
A religiosidade imprime um forte caráter no escritor russo, a participa em praticamente todos esquemas de sociedade futura. Este sonho parece lidar com este desejo, e revela como ele pode ser ridículo de ser pensado. Mas o questionamento que fica é, não é o que todos nós pensamos, numa sociedade ideal? Seja pela campo político ou seja pelo campo religioso?

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