sábado, 8 de março de 2014

Clube de Compras Dallas - Jean-Marc Vallée (dir.)


Quando Michel Foucault morreu, se evitou por um tempo a relação entre seu óbito e a AIDS, quando Magic Johnson admitiu estar com HIV já faziam alguns anos que ele estava nesta situação, a lista não para por ai, Cazuza, Renato Russo, Freddy Mercury, todos eles evitaram tocar no assunto, seja em maior ou menor grau. O mais estranho é que a AIDS foi uma doença que carregou uma carga moral muito grande. Primeiro as pessoas que apresentavam a doença eram majoritariamente homossexuais, tornando personalidades como Rocky Hudson uma “decepção”, pois até então ele sempre fora posto como um exemplo de masculinidade, o filme ilustra isto nos seus primeiros minutos. Já basta toda homofobia, que acredito ser menor atualmente, que os homossexuais acabam lidando no dia a dia, doenças venéreas sempre acabam trazendo este cunho moral devido a nossa visão conturbada sobre o sexo. Imagine uma síndrome propagandeada como exclusiva a gays. Era tudo que muitos preconceituosos esperavam. E realmente utilizaram a AIDS como uma forma de atacar a comunidade homossexual, declarações como a de que era um flagelo de Deus não eram incomuns.
Neste sentido o Dallas Buyers Club me surpreendeu ao tratar da AIDS de uma maneira bem política, especialmente por se tratar de um filme holliwoodiano cujo ator principal faz geralmente o papel de algum galã, estar ali como o caubói bronco, pobre e fora de moda. Quando surgiu a doença ninguém sabia ao certo como ela funcionava e até hoje pouco se sabe de sua origem, a teoria mais aceita é a de que houve uma contaminação de caçadores ao tomarem contato repetido com o sangue de macacos infectados com uma versão animal do vírus, e as viagens aéreas somadas ao sexo casual sem preservativos se encarregaram do resto. Há também as teorias de que a doença foi criada para exterminar pessoas, especialmente homossexuais. De qualquer forma, quando ela chegou não se sabia muito bem o que fazer.
A princípio os preconceitos do caubói não lhe permitiam aceitar sua doença, o levando a negá-la até chegar num ponto crítico. Quando ele percebe que já não havia mais o que fazer, aceita sua condição e busca uma forma de sobreviver. A medicação que vinha sendo usada na época e parece ainda fazer parte do coquetel, era o AZT, como o filme bem coloca, esta é uma medicação complicada, pois de maneira resumida, parece atacar tanto o que há de ruim quando o que há de bom, causando uma série de danos colaterais terríveis. Ao tomar conhecimento disso, Ron Woodrof inicia com auxílio de um médico com licença casada (onde infelizmente o filme não explica a situação que levou à cassação) um tratamento alternativo com medicamentos proibidos de serem comercializados nos EUA. E é aqui que as coisas começam a se mostrar sujas.
Enquanto Woodrof está apenas interessado em financiar seu tratamento e estilo de vida com a venda de medicamentos que funcionam melhor que o AZT, não teremos grandes problemas, porém devido aos acontecimentos – em especial a morte de seu sócio – e a falta de medicamentos apropriados para o tratamento da doença, ele vai deixando de lado esta questão pessoal e percebendo que ela está para além de algo isolado, se dá conta de que mais pessoas estão numa situação tão desesperadora quanto a sua, pessoas morrendo, e o órgão regulador está muito mais preocupado em garantir o mercado de uma empresa do que manter estas pessoas vivas (um belo caso de biopolítica).
O absurdo, e que pouco debatemos sobre, é que o paciente acaba ficando sem direito de escolha sobre seu tratamento, obrigando-o a seguir algo que não necessariamente lhe traz resultados (havendo o risco de tomar até mesmo um placebo). Temos ilustrado muito bem no filme, como o governo e as grandes corporações, buscam controlar ao máximo a vida da população, de forma clara a garantir seus lucros, independente da vida biológica destas pessoas, e o mais impressionante, sob a alcunha de garantir um procedimento seguro de saúde. Temos o conceito de segurança utilizado como um instrumento de poder.
Talvez o Clube de Compradores de Dallas seja um dos filmes que trata de forma clara os problemas da gigante indústria farmacêutica, de longe a maior produtora de drogas e por onde passam milhões. Será que eles estão preocupados com a nossa saúde? Será que as correntes médicas apoiadas na forte medicação, seja para emagrecer ou até mesmo da criança “hiperativa”, estão mesmo preocupadas com a nossa saúde? Temos de deixar de ser inocentes e entendermos que as amostras grátis enviadas aos médicos não são pela preocupação com pessoas, afinal indústria se preocupa em ganhar dinheiro.

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