As histórias de Philip K. Dick trazem mais do que simples aventuras,
há questões sendo trabalhadas ali. Parece que hoje em dia o gênero
se resumiu a receita de filmes como Star Wars ou Star Trek.
Não desenvolvendo questões mais profundas do que a luta do Bem
contra o Mal no meio de “muita aventura”. Diverte, é legal, mas
pouco traz de novo. Stanislaw Lem, autor de Solaris,
já percebia isto durante os anos 1970 e por isso acabou largando ao
longo do tempo a ficção científica e se decepcionando com o que
ela poderia se tornar. Talvez pelo fato das histórias pouco comuns
de Dick, ele não parece ser um autor muito lido entre os
brasileiros, apenas pessoas que querem ir além dos clássicos 1984,
Fahrenheit 486 e Admirável Mundo Novo.
Há também o fato de que Philip K.
Dick é o autor com o maior número de roteiros adaptados para o
cinema. Os filmes adaptados a partir de histórias do Dick são
variados, como está na chamada da capa deste livro, temos “O
Pagamento” e “Minority Report: a nova lei”, porém clássicos
como Blade Runner e
filmes com atores tão ilustres quanto Arnold Schwarznegger fazem
parte deste confuso mosaico. O que rola sempre, independente da
qualidade da adaptação – ou atuação – é que suas histórias
são mais do que uma aventura. Philip Dick cursou filosofia, e mesmo
sem ter terminado seu curso, isto parece significar algo.
O curioso deste livro encontrado num sebo é a quantidade de contos,
que acredito eram até então em sua maioria inéditos no Brasil,
estes contos possuem abordagem variada. Infelizmente não houve um
cuidado em indicar o ano da publicação desses contos, o que pode
ser esperar muito de um livro com vários erros de grafia e digitação
– supostamente aproveitaram a onda de algum filme para lançar algo
que estava na gaveta e possivelmente não daria nenhum lucro sem a
existência do cinema.
Um elemento notável é que a ficção científica não está
preocupada com o futuro, mas sim com o seu presente. Em 1984 a
preocupação é com o totalitarismo, em Fahrenheit é o abandono do
hábito de leitura em detrimento da popularização da televisão e
em Admirável Mundo Novo percebemos uma preocupação com uma rápida
modernização da sociedade, destruidora de coisas também tão
bonitas quanto o moderno. Em muitos contos contidos aqui está no ar
uma eminente guerra que pode destruir todo o planeta. Ora, Dick
começou a publicar durante a Guerra Fria e tanto URSS quanto EUA
tinham (tem) poder de fogo para destruir o planeta Terra mais de uma
vez. Esta constante ameaça de guerra está nos seus contos, uma
visão pessimista do futuro a partir do presente que se vive. A
ciência acaba sendo o campo de descoberta e meio termo entre a
destruição e a esperança, afinal é devido a uma máquina do tempo
que se pode roubar os planos secretos de algum cientista que
desenvolverá alguma arma muito poderosa no futuro.
Entretanto resumir seus contos a
esta tensão existente na época, não impediu Philip Dick de
escrever sobre outros temas. Uma colocação que já está mais
evidente em seu romance Os três estigmas de Palmer
Eldricht, é sobre a tal da vida
mundana. Provavelmente após a declaração de Stanislaw Lem de que
Dick era na época o único escritor estadunidense ativo louvável de
ficção científica, o americano escutou a crítica do polonês de
que quando muito a ficção científica abordava no máximo a
problemática da Guerra Fria. Por isso percebesse que o americano
foca em sua realidade e a guerra destruidora começa a perder espaço
para a dominação de empresas e o tédio da vida cotidiana – tudo
isto com a desolação do planeta, seja por uma guerra ou seja por
alguma catástrofe ambiental ao fundo, não podemos esquecer. A vida
se torna um produto, ou uma forma de obter lucro. Assim que temos o
momento chamado de pós-guerra, a população do mundo inteiro
começará a ter um acesso cada vez maior a bens de consumo antes
impensáveis como: automóvel, televisão, aspirador, liquidificador,
geladeira, ar condicionado, micro-ondas, shampoo, preservativos,
comida industrializada (congelada). A partir de todo este acesso,
ocorreu uma adoração a certos bens ou marcas, os produtos vão
ganhar personalidade. É partindo dai que várias vezes os
personagens de Dick fazem de tudo para conseguir algum produto, seja
ele uma boneca, tabuleiro ou droga.
O conto mais forte talvez seja o do
sujeito aficionado por seu trenzinho no porão, o que ele deseja é
uma fuga. Ao mesmo tempo sua mulher quer alcançar o modo de vida
ilustrado em propagandas ostentar felicidade mais do que usufruir
dela. Ele odeia seu emprego, a cidade e sua vida. Em sua maquete por
onde passeia o trem ele pode reconstruir da forma que mais lhe
apetece, podendo ter alguma escolha para si que seja maior do que
trabalhar e ter seus valorosos finais de semana passeando em algum
carro até algum resort
caro. Ou talvez só queira voltar para sua infância, quando as
pessoas pouco se importavam com ele. De qualquer forma, o que temos é
um questionamento da realidade que se vive mais do que da realidade
possível de uma guerra eminente entre dois superblocos. Nestes
últimos contos do livro este tipo de roteiro se torna mais
recorrente, e podemos perceber uma obra mais madura de Philip K.
Dick, um dos maiores escritores de ficção científica, sem sombra
de dúvida.
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