sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O Pagamento - Philip K. Dick


As histórias de Philip K. Dick trazem mais do que simples aventuras, há questões sendo trabalhadas ali. Parece que hoje em dia o gênero se resumiu a receita de filmes como Star Wars ou Star Trek. Não desenvolvendo questões mais profundas do que a luta do Bem contra o Mal no meio de “muita aventura”. Diverte, é legal, mas pouco traz de novo. Stanislaw Lem, autor de Solaris, já percebia isto durante os anos 1970 e por isso acabou largando ao longo do tempo a ficção científica e se decepcionando com o que ela poderia se tornar. Talvez pelo fato das histórias pouco comuns de Dick, ele não parece ser um autor muito lido entre os brasileiros, apenas pessoas que querem ir além dos clássicos 1984, Fahrenheit 486 e Admirável Mundo Novo.
Há também o fato de que Philip K. Dick é o autor com o maior número de roteiros adaptados para o cinema. Os filmes adaptados a partir de histórias do Dick são variados, como está na chamada da capa deste livro, temos “O Pagamento” e “Minority Report: a nova lei”, porém clássicos como Blade Runner e filmes com atores tão ilustres quanto Arnold Schwarznegger fazem parte deste confuso mosaico. O que rola sempre, independente da qualidade da adaptação – ou atuação – é que suas histórias são mais do que uma aventura. Philip Dick cursou filosofia, e mesmo sem ter terminado seu curso, isto parece significar algo.
O curioso deste livro encontrado num sebo é a quantidade de contos, que acredito eram até então em sua maioria inéditos no Brasil, estes contos possuem abordagem variada. Infelizmente não houve um cuidado em indicar o ano da publicação desses contos, o que pode ser esperar muito de um livro com vários erros de grafia e digitação – supostamente aproveitaram a onda de algum filme para lançar algo que estava na gaveta e possivelmente não daria nenhum lucro sem a existência do cinema.
Um elemento notável é que a ficção científica não está preocupada com o futuro, mas sim com o seu presente. Em 1984 a preocupação é com o totalitarismo, em Fahrenheit é o abandono do hábito de leitura em detrimento da popularização da televisão e em Admirável Mundo Novo percebemos uma preocupação com uma rápida modernização da sociedade, destruidora de coisas também tão bonitas quanto o moderno. Em muitos contos contidos aqui está no ar uma eminente guerra que pode destruir todo o planeta. Ora, Dick começou a publicar durante a Guerra Fria e tanto URSS quanto EUA tinham (tem) poder de fogo para destruir o planeta Terra mais de uma vez. Esta constante ameaça de guerra está nos seus contos, uma visão pessimista do futuro a partir do presente que se vive. A ciência acaba sendo o campo de descoberta e meio termo entre a destruição e a esperança, afinal é devido a uma máquina do tempo que se pode roubar os planos secretos de algum cientista que desenvolverá alguma arma muito poderosa no futuro.
Entretanto resumir seus contos a esta tensão existente na época, não impediu Philip Dick de escrever sobre outros temas. Uma colocação que já está mais evidente em seu romance Os três estigmas de Palmer Eldricht, é sobre a tal da vida mundana. Provavelmente após a declaração de Stanislaw Lem de que Dick era na época o único escritor estadunidense ativo louvável de ficção científica, o americano escutou a crítica do polonês de que quando muito a ficção científica abordava no máximo a problemática da Guerra Fria. Por isso percebesse que o americano foca em sua realidade e a guerra destruidora começa a perder espaço para a dominação de empresas e o tédio da vida cotidiana – tudo isto com a desolação do planeta, seja por uma guerra ou seja por alguma catástrofe ambiental ao fundo, não podemos esquecer. A vida se torna um produto, ou uma forma de obter lucro. Assim que temos o momento chamado de pós-guerra, a população do mundo inteiro começará a ter um acesso cada vez maior a bens de consumo antes impensáveis como: automóvel, televisão, aspirador, liquidificador, geladeira, ar condicionado, micro-ondas, shampoo, preservativos, comida industrializada (congelada). A partir de todo este acesso, ocorreu uma adoração a certos bens ou marcas, os produtos vão ganhar personalidade. É partindo dai que várias vezes os personagens de Dick fazem de tudo para conseguir algum produto, seja ele uma boneca, tabuleiro ou droga.
O conto mais forte talvez seja o do sujeito aficionado por seu trenzinho no porão, o que ele deseja é uma fuga. Ao mesmo tempo sua mulher quer alcançar o modo de vida ilustrado em propagandas ostentar felicidade mais do que usufruir dela. Ele odeia seu emprego, a cidade e sua vida. Em sua maquete por onde passeia o trem ele pode reconstruir da forma que mais lhe apetece, podendo ter alguma escolha para si que seja maior do que trabalhar e ter seus valorosos finais de semana passeando em algum carro até algum resort caro. Ou talvez só queira voltar para sua infância, quando as pessoas pouco se importavam com ele. De qualquer forma, o que temos é um questionamento da realidade que se vive mais do que da realidade possível de uma guerra eminente entre dois superblocos. Nestes últimos contos do livro este tipo de roteiro se torna mais recorrente, e podemos perceber uma obra mais madura de Philip K. Dick, um dos maiores escritores de ficção científica, sem sombra de dúvida.

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