segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Elysium - Neill Blomkamp (dir.)


Elysium não surpreende muito. Os clichês de Hollywood estão ali, a historinha de amor, o herói que nunca morre, os vilões e os mocinhos claramente demarcados e o destino da humanidade em jogo. Sabemos como começa e como termina a narrativa. É um filme hollywoodiano afinal.
Porém alguns detalhes aparecem ali que acabam tornando Blomkamp uma novidade. Ele alcançou sucesso suficiente para entrar no clube americano do cinema depois do lançamento de Distrito 9. Pra quem não sabe, Blomkamp é sul-africano, e isso implica nas pequenas diferenças. A primeira delas e que pode até causar alguma empolgação, é que mais do que uma simples divisão entre bonzinhos e malvados, a sociedade futura ilustrada no filme é segregada entre ricos e pobres. Os pobres são condenados a uma vida miserável, sem grandes perspectivas e o mais importante, ficam de fora do clube saudável exclusivo para quem pode pagar pela eternidade e beleza. Independente da posição ou objetivo de Blomkamp, ele não maquia em nada a segregação financeira existente no mundo. Talvez pelo fato de ser da África do Sul, seja quase impossível ignorar esta questão.
As outras questões menores, porém significativas, tangem a questão da produção. No filme, mesmo que de maneira tímida, outras línguas são faladas, mesmo o inglês se mantendo o principal idioma, é aberta uma brecha para outras línguas. Pode parecer bobo, mas o termo “bárbaro”, tem origem numa questão linguística, mesmo que tal adjetivo esteja delimitando uma condição cultural. Uma língua implica numa cultura, numa forma de pensar, me arrisco até em colocar, uma outra estrutura. Talvez por isso os comentários comuns de que a atividade filosófica só possa ocorrer em língua alemã – o que discordo. Colocando estas outras línguas, o filme deixa de maneira mais clara de que além das diferenças econômicas, também existem as culturais. Se pensarmos isto a partir do fato de que é comum nos EUA remakes de filmes europeus pelo simples fato da maior parte da plateia estadunidense não gostar de filmes em língua estrangeira, demonstra de forma clara como um país lida com a cultura de outro povo.
Por esta ótica a grande resistência dos islâmicos é em aceitar um modelo cultural tão diverso do seu, e se apegar a religião acaba sendo uma forma de se apagar a uma identidade, de preferência uma que seja mais prática para a realidade visível. Se houvesse uma postura mais pluricultural, talvez tensões desnecessárias seriam evitadas. Não podemos ser demasiado otimistas, pois cair no relativismo cultural pode ser perigoso também.
O que temos afinal de contas em Elysium é um filme hollywoodiano que procura dialogar com outras linguagens. A contratação de atores de vários países, a aparição (mesmo que discreta) de outras línguas, a não negação da ainda existente divisão entre ricos e pobres, fazem com que exista neste filme uma maquiagem não tão carregada para falar de nosso tempo. Talvez por isso seja estratégico situar tais problemas numa ficção científica. No fim das contas Blomkamp consegue seu sucesso pelo fato de não ignorar os problemas de seu tempo.

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O Aleph - Jorge Luis Borges

Borges escreve isto que chamam de literatura fantástica. Segundo minhas impressões constituídas sobre o assunto, este gênero parece não ter uma definição rígida, mas elementos são percebidos conforme uma leitura se desenvolve. O mais interessante é que por meio destes textos claramente longe do real, teorias são discutidas e parecem se explicar e debater ali.
É recorrente uma ambientação imaginária. Lugares que só existem em seus contos se misturam com lugares reais. A questão mais estranha é que estes lugares, sejam reais ou não, existem dentro dos contos. Talvez em vez de questionarmos a realidade destes contos, seja mais interessante aceitar que eles querem existir ali e naquele momento, quase como se as coisas tivessem vontade.
O conto mais forte é o do título: “Aleph”. Sem buscar qualquer forma mirabolante de qual sequência deve ser respeitada para ler o livro, fico com a simplicidade de seguir a leitura pela ordem das páginas. Por este caminho o último conto é estratégico. Por meio de uma dobra, um único ponto, é possível vislumbrar todo o universo.
Conforme caminhamos pela cidade, um dos lugares comuns do homem moderno, podemos observar entre o aço e concreto, vários pontos, vários universos possíveis. Me refiro a eles desde as ruelas, bares, cafés, praças, lojas e outros furos que se propõem a interromper o trânsito – de pedestres ou motoristas. Se você passar por um caminho diferente pode, por exemplo, trombar com alguém, ser assaltado, descobrir um novo bar, chegar mais rápido. Estes lugares físicos podem nos levar a outros lugares como a felicidade, o amor ou a tristeza.
Lugares são sempre transitórios, o ser humano não fica parado, se move, constantemente, porém, visita os lugares, e está ali quando se está ali. Igual moedas perdidas pela calçada.
Da mesma forma que o longínquo, e fora de realidade, espaço parece ter suas dobras devido aos buracos negros, algo tão insignificante como o cotidiano citadino também pode desdobrar-se. E mesmo que nossas sensações nos levem ao conhecimento de que tudo aquilo é verdade, as possibilidades se mostram tão impossíveis que a matemática por meio da probabilidade consegue explicar com exatidão apenas isto, o possível é imprevisível. Cada dobra, cada buraco, cada ponto pode revelar todo um universo.