segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Os cus de Judas - Antônio Lobo Antunes


Portugal faz parte do clube dos últimos países a perderem suas colônias na África. Curioso que não estamos falando de um país importante como Reino Unido ou França, mas sim de Portugal. Boa parte da honra em manter aquelas colônias africanas estava no desejo de agarrar alguma coisa num passado já tão distante que nem parece algum dia ter existido: as grandes navegações.
Mesmo fazendo já muito tempo que os portugueses se lançaram ao mar, havia no regime de Salazar um uso muito forte desse passado. Este é o alerta para quem se interessa pela história, ditadores não cessam de se voltar para ela. Se agarram, se prendem, choram e conclamam poemas pelo passado, pretérito invisível, que ninguém vivo jamais viu. Pelo que percebo Salazar ainda é uma ferida para os portugueses, assim como os militares ainda são para os brasileiros.
Como ignorar a ditadura de Salazar e sua postura insistente com suas colônias? Havia pouco diálogo, algo possível de se notar pela educação recebida nas colônias, onde aprendiam que eram portugueses e na aulas de geografia, por exemplo, aprendiam quais eram os principais afluentes do rio Tejo... Acredito que podemos ver neste passado colonial não tão distante de Portugal alguns aspectos para entendermos o terceiro mundo e até mesmo a importância da existência de um país como a União Soviética – apesar dos pesares.
Temos um português dialogando com esta ferida, não alguém dali. Aos poucos o livro vai ganhando cada vez mais contornos anti-Salazar. Podemos não perceber devido a certos julgamentos, mas eles estão ali muito mais devido ao estranhamento do estrangeiro, do sujeito que não tem nada a ver com aquele cus de Judas, que afinal, não é mesmo Portugal. O personagem principal, que nos conta sua jornada, não se vê ali em África. Porém não podemos nos iludir, já que os únicos momentos que Lisboa soa familiar e na narrativa da saudade e da memória. Nestes reinos o lar é outro, sempre diferente do lar encontrado na volta, na visita.
Antônio Lobo Antunes escreve difícil e de forma particular, sua escrita segue o sentido da mente humana, não há um começo-meio-e-fim definido nos parágrafos, apenas ao longo do tempo o leitor se localiza no meio de tamanha confusão. Mas, Antunes como bom psicanalista que deve ser, sabe que a mente humana não é uma via expressa, mas sim um labirinto, e cheio de minotauros.
Os cus de Judas trata dos traumas de um país num momento histórico muito específico, esta dada uma possibilidade do estudo da psicologia e da história, talvez sirva de leque para esta junção que me interessa cada vez mais. Além disso, o livro é uma peça fundamental para entendermos um pouco mais dessa mistura entre África, Brasil e Portugal, algo tão visível mas nem um pouco claro.