domingo, 14 de abril de 2013

Bob & Harv: dois anti-heróis americanos - Harvey Pekar; Robert Crumb


Harvey Pekar, imagino eu, vai trazer pela primeira vez o homem ordinário para os quadrinhos. Não que ele já não estivesse lá, seja no jornalista nerdzão que na verdade é um extraterrestre excepcional, ou no fotografo freelance picado por uma aranha ou alguém que sofreu mutação genética, mas os personagens de Pekar tem desafios diferentes do de vilões malvados, eles precisam de paciência para enfrentar a fila do mercado, grana para pagar o aluguel ou sorte no amor. Não há uma tentativa de suprir nossa insuficiência de vida num personagem semelhante a nós, porém dotado de uma grande virtude oculta, ele é ordinário e nada mais, tal qual somos a maior parte do tempo.
Talvez a grande distinção do romance em relação a outras abordagens literárias seja a emergência do indivíduo, não raro algumas prosas são em primeira pessoa (como Werther do Goethe), deixando bem clara essa narração do “eu”. Por alguma razão o romance se catalisa com a modernidade, não antes, justamente quando uma consciência de si enquanto indivíduo surge. O papel social não é mais o de alguém destinado a exercer alguma pretensão divina, como louvar tal deus ou servir a tal rei, mas sim a de que “eu” sou um indivíduo. Somos egocêntricos afinal.
Porém esta noção se passa por uma metáfora geográfica, onde este ser individual precisa saber onde está para se mover melhor, por isso algumas necessidades surgem, como uma constante afirmação de si, que pode ser vista nas conversas quando discutimos aquilo que é “bom gosto” (boa música, boa comida, bons filmes...) de forma geral, chegando algumas vezes a casos extremos de nacionalismos e outros pre-conceitos fascistas. Da mesma forma como um questionamento semelhante ao de Ráskolnikov, em Crime e Castigo, que está preocupado com sua extraordinariedade ou mediocridade. Ele se localiza enquanto homem ordinário, comum, padrão, e entende que coisas precisam ser feitas para superar isso, dai seu desejo assassino ser em realidade uma vontade de superação de si.
Mas o jogo correu bastante desde os séculos XVII e XVIII, nossos desafios não são mais um Czar ou um amor impossível, apesar de serem questões semelhantes, nossos desafios são o cotidiano, de forma muita mais nítida do que antes. Há uma ascensão do cotidiano, ele vem se mostrando cada vez mais um lugar de combate, havendo assim uma necessidade de superar o cotidiano. E utilizamos pra isso ferramentas, que passam desde a música e outras artes, até mesmo passando por aportes teóricos com titulação simbólica cultural mais rebuscados1. É deste homem cotidiano que fala Pekar, sujeito fora dos grandes centros, neurótico, cansado, incompreendido, comum e ordinário, até demais. E é no mesmo cotidiano, que faz dele um sujeito tão medíocre, que se busca romper tal barreira, superando-se a si mesmo – de alguma forma – como escrever quadrinhos ou blogues.
1Como citar autores de prestígio acadêmico em notas de rodapé para dar legitimidade ao discurso feito e justificar a posição social do discursador, transformando assim a fala em algo merecido de atenção e autenticidade. Para mais detalhes ver: BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguisticas: o que falar quer dizer. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.

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