sábado, 21 de janeiro de 2012

Notas Sobre Gaza - Joe Sacco

      A situação complicada entre Israel e Palestina existe praticamente desde que fora criado o Estado de Israel. Mesmo tendo alguma familiaridade com o assunto, ele é sempre tema complicado e confuso. Talvez por isso que nesta obra Joe Sacco procura cavar mais fundo, talvez para compreender melhor as origens deste conflito.
     Percebe-se que as proporções na década de 1950 eram completamente distintas das atuais, não percebemos uma organização como a FPLP do lado palestino, o que acredito lhes dará algum “autonomia” mais tarde. Mesmo assim fiquei impressionado com a capacidade entre os palestinos de se organizarem com tão poucos recursos. Creio que as opções eram poucas também, o que gera poucas opções.
     O que fui percebendo ao longo da leitura da obra, foi que, diferentemente do que muitos religiosos vão dizer, tal conflito não teria origens bíblicas, o que muitas vezes acaba naturalizando a situação. Esta situação tenebrosa envolvendo o Estado de Israel fora construída ao longo dos anos. Sabemos que Israel já havia se armado fortemente desde sua criação, e que conflitos entre Israel e árabes estão ai desde a fundação do Estado.
     Muita coisa mudou nestes três períodos (1950-1990-2000) que Sacco analisa. A década de 1950 seja talvez a mais enigmática, e o que mais percebi é que o nacionalismo palestino não está bem formado. Percebe-se como o pan-arabismo fora utilizado por Naser na busca de atender seus interesses. Certa vez escutei um professor universitário marroquino falando o quanto este pan-arabismo fora algo complicado, que havia deixado muita gente decepcionada. Lembrei na hora da figura de Naser, e dos relatos coletados por Joe Sacco sobre os fedayeen recrutados pelo serviço secreto egípcio para executar investidas em estilo guerrilha contra tropas israelenses.
     Segundo me parece o grande discurso hoje já não se pauta mais na destruição do Estado de Israel, mas sim na criação de um Estado Palestino, e a resistência armada já não parece ser a opção favorita para obter-se o reconhecimento do Estado palestino. A comparação entre Davi e Golias é difícil de não ser feita, Israel tem os soldados mais bem treinados, armamento de ponta, forte economia e IDH elevado, uma exceção na região. Enquanto os palestinos estão jogados em campos de refugiados desde a década de 1950 e tais campos já viraram cidades. A polêmica construção do muro que iniciou em 2004, parece só ter piorado a situação palestina, abocanhando boa parte das reservas de água assim como aumentando um pouco sua extensão territorial. Apesar de uma certa calma na região (se comparada com períodos anteriores é claro), a resistência da população palestina continua, desde não utilizar a água da companhia israelense, até uma que é apontada por uma senhora nas paginas de Faixa de Gaza, onde ela pressiona os meninos que tacavam pedras nos tanques e tanques-trator que destruíam casas, para que eles logo tivessem filhos, o maior número possível. De qualquer maneira, resistir nunca é fácil.
     Os israelenses vêm mudando também, recentemente no ano de 2011, 1027 palestinos que estavam presos em Israel foram trocados por um soldado israelense. Apesar das mediações do Egito e do grupo Hamas, houve forte pressão da população israelense e da família do soldado para que o acordo ocorresse. Assim como passeatas feitas por israelenses a favor da criação do Estado palestino também ocorreram ano passado. O que demonstra uma vontade por mudança em Israel também, que me pareceu ignorada pela mídia geral, onde liberdade e direitos só precisam ser reivindicados entre os “bárbaros povos árabes”.
     Não acredito que um conflito de marcas tão profundas se resolva logo, até porque algumas políticas agressivas de Israel¹, me parece, custarão a cessar. E mesmo com esta mudança no quadro, não temos necessariamente uma melhora na situação, creio até que a situação dos palestinos vem se tornando mais complicada e esquecida pela mídia desde a morte de Arafat. E se dependermos de jornais como o famoso JN (mais visto no Brasil) onde interesses se escondem sob uma pretensa neutralidade, pouco se saberá sobre o assunto.


sábado, 7 de janeiro de 2012

Crônica de uma Morte Anunciada - Gabriel García Márquez

         Teorias sobre prever o futuro existem várias. Há o tarô, búzios, astrologia e até mesmo crenças maias maquiadas de ciência (mesmo que isto não existisse para eles). A curiosidade pelo futuro, próximo ou distante, muitas vezes é o motor para nos determos sobre histórias variadas. Alguns filmes e livros parecem perder toda a graça quando já se sabe o final. Mesmo sendo desejoso em não saber o máximo possível antes de tomar contato com algum estória, Crônica de uma morte anunciada te impede de não começar sabendo o final. Na primeira linha, na orelha e no título do livro já sabemos que alguém será assassinado, que Santiago Nasar vai morrer.
        Segundo comenta-se por ai, é preciso mais do que talento para receber um prêmio Nobel, e sem dúvida talento não falta a Gabriel García Márquez, pois conseguiu contar uma história onde se sabe o final desde o princípio. E o cômico é que seu talento é perceptível por isto. Como li uma resposta certa vez, sobre a possibilidade de forças ou elementos que regem a História, dando alguma direção a humanidade; saber que um comboio vai até Orleans não elimina todo o leque de possibilidades das ações que podem ser tomadas pelos passageiros ao longo da viagem¹. Sem dúvida o livro faz isto, nos demonstra que entre o começo e o fim, uma série de elementos e fatos atravessam o momento final.
        Não importa tanto o final da história, que se sabe desde a primeira página, mas sim o desenrolar da narrativa, toda a teia de elementos que conduzem a tal acontecimento. E aqui entendo perfeitamente a histórias sem final de Kaspar Hauser.
        O livro parece tentar nos inserir no mundo colombiano popular. Há algo que me parece comum entre os latinos, especialmente os do novo mundo. A vila descrita no livro me recorda aquelas, que parecem constituir um lugar comum em nosso imaginário: a cidadezinha. Já conhecemos o arquétipo da vila, poucos habitantes, todos sabem quem é quem e tudo o que se passa na vila. Residindo nela há uma família rica de extrema influência e um padre que serve de mediador para os mais variados assuntos. A vida ali apesar de rude, aparenta ser boa. Há uma linda garota que será conquistada por alguém. A vila está presente neste livro de Márquez, em Árido Movie e O Alto da Comparecida, mesmo assim, cada obra busca um objetivo distinto. Suspeito que esta vila pitoresca surja com os românticos alemães em sua busca pelas raízes, pelo essência do Volk.
        Este embrenhar-se no popular parece uma busca pelo real ou pelo verdadeiro, contanto que o narrador da história busca compreender o caso. E para isto não abre mão dos relatos deste povoado, onde cada pessoa viu um fragmento ou sabia de algo relacionado ao fatídico assassinato, nem hesita em buscar os autos jurídicos tratando de tal acontecimento.












¹ “Se é verdade que a providência dirige a História e que a História é uma totalidade, então o plano divino é indiscernível; como totalidade, a História escapa-nos e, como entrecruzamento de séries, é um caos semelhante à agitação de uma grande cidade vista de avião. O historiador não se sente muito ansioso por saber se a agitação em questão tende para alguma direcção, se tem uma lei, se há uma evolução. É demasiado claro, com efeito, que essa lei não será a chave do todo; descobrir que um comboio se dirige para Orleans não resume nem explica tudo o que podem fazer os passageiros no interior das carruagens”. VEYNE, Paul. Como se Escreve a História. Edições 70: Lisboa, p.37.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

A Polícia das Famílias - Jacques Donzelot

      Por meados da década de 1950 se anuncia uma drástica crise da família, que segundo me parece, continua sendo propagada aos quatro ventos. Mas pouco se reflete sobre o assunto, e a discussão se dá com respostas prontas. Este livro em muito me ajudou a pensar sobre o assunto, talvez um dos melhores. Este texto passeia pela História e é norteado pela figura do jovem, tendo como base alguns outros textos lidos. Não pretendo para o texto nada mais do que algumas coisas que zumbiram na minha cabeça conforme lia esta obra de Jacques Donzelot.

      Duas guerras seguidas fizeram com que os homens fossem para o front e as mulheres para as fábricas, dando assim maior “liberdade” para os jovens que fugiam do julgo rigoroso do pai (especialmente para as meninas) e vigilância dobrada para a mãe. Não que seus pais deixassem de os vigiar, mas eles vigiavam menos devido ao trabalho ou a guerra. Logo após a segunda guerra se investe num nicho de mercado jovem, criando roupas, filmes, revistas, boates e músicas específicas para tal faixa etária. Donzelot acaba sendo fruto deste pós-guerra, apesar de certa distância temporal (a pesquisa é da década de 1970), questões como a revolução sexual e a contracultura ainda estavam na pauta do dia, e por sinal capitaneadas por jovens.
      Cavando um pouco mais fundo, sem buscar algum estado de perfeição originário, o trabalho vai se remeter em boa medida ao século XIX, atravessando o XVIII e o XX nos momentos necessários ou desejados. O tempo norteador é a Revolução Industrial e o advento do capitalismo, que vão interferir diretamente na constituição familiar. A mudança da oficina para a fábrica interfere em mais do que a produção de bens, vai mudar a constituição da família, e esta seguirá acompanhando as mudanças. Se antes trabalham todos juntos num cômodo da casa sob o olhar do chefe da casa, na fábrica trabalharam em setores e vigiados por um capataz. O curioso é que até recentemente era comum quase toda uma família trabalhar na mesma fábrica, mesmo que eecendo cargos em setores completamente distintos.
      Ora, tais câmbios somados a delinquência juvenil que começa a ser vista como problema (vide Oliver Twist) e os crescentes números de órfãos, alarmavam variados setores da sociedade. Será até mesmo sugerido que os órfãos fossem alocados em colônias do além-mar. O que se percebe é uma preocupação com a “utilidade” destes cidadãos, e talvez a vida destas crianças e jovens sem pais acabava se mostrando como um transtorno devido os dois grandes grupos em que estes se concentravam: orfanatos e delinquência. É bem compreensível que o problema esta no não trabalho destes sujeitos, pois num grupo os temos em orfanatos consumindo recursos, e noutro roubando, corrompendo o sistema de compra e venda mediado pelo dinheiro que deve ser ganho por meio do trabalho. E aqui a família talvez fosse muito mais um elemento policial do que “amigável” como gostamos de imaginar. A falta de família ocasionava a ausência de pais norteado as ações dos filhos (geralmente os colocando para trabalhar e gerar receita).
      Acho cômica a falta de originalidade atual em soltar toda a carga para os pais, pois é o que fazem no século XIX. Na tarda surge uma sociedade de pais, que mais tarde criou uma escola de pais. A ideia era reeducar os pais não preparados, ou então prepará-los ainda mais para esta função tão complicada e sensível que é ser pai. O curioso deste pesado fardo dado aos pais como os grandes responsáveis pela “má educação” de seus filhos se torna estranho quando tomamos contato com uma estatística da década de 1950, onde se demonstra que boa parte dos pais não sabiam o que seus filhos faziam ou onde estavam nas horas vagas, simplesmente por estarem fora de casa trabalhando. Assim como a maior parcela de tempo do (nascente) adolescente era passada com seus pares, na escola, lanchonetes e afins, do que em casa com sua família. O curioso é que esta tempo fora de casa mediado por outros reguladores que não a família (escola, amigos, ambientes sociais) vão gerar o surgimento deste modo de vida jovem, que curiosamente vem se tornando cada vez mais desejado (não trabalhar, gastar dinheiro, ir a festas com música barulhenta).
      O que muitas vezes não se percebe é que para além dos pais aquilo que chamamos de sociedade dá grandes contornos. Eventos grandes como as duas grandes guerras, vão ocasionar na saída da mulher de dentro de casa. Da mesma forma que boa parte delas não deseja voltar para dentro de casa é incabível obriga-las a isto, até porque conquistaram um lugar importante, ao menos, no campo profissional. O trabalho foi se afastando cada vez mais do lar, se as oficinas eram coladas a casa, as fábricas já serão afastadas. Contudo as vilas operárias nunca ficavam muito distantes do local de trabalho. O que temos hoje já chega a ser absurdo, com modelo dos subúrbios americanos, que ficam a quilômetros de distância do local de trabalho (por sinal é nos 70 que ocorre este “êxodo citadino”), deixando os centros das cidades desertos ao fim do horário comercial. A setorização das cidades (bairro das compras, bairro dos bares, bairro das residências), acaba influindo no passar de nosso tempo diário, aumentando cada vez mais nossos gastos de tempo e dinheiro, com locomoção. Somado ao nosso modelo de vida sonhado, recheado de viagens, eletrodomésticos, produtos importados e conforto financeiro, o planejamento familiar acaba diminuindo a quantidade de filhos. Não queremos abrir mão do sábado a noite, nem das viagens e da carreira de sucesso, estes elementos interessam mais a maior número de pessoas, do que viver como nossos pais.
      Dai que me pergunto toda vez que escuto sobre a tal crise da família, de que família estamos falando? Da bíblica, onde temos escravos, poligamia e pagamento do dote (que vai na contra mão de nosso amor romântico), da medieval que “vendia” seus filhos, da grega onde a mulher era quase um bem material ou da nuclear aburguesada?
      Mesmo com um fim ou crise da família anunciados, o fato mais curioso é que ela não deixa de existir, mesmo mudando seu formato e configuração, ela continua lá, e poucas vezes nos atentamos para isto. O formato de família muda, até porque nem sempre foi o mesmo e tal instituição não ocupa a centralidade desejada por muitas pessoas. Há uma relação nisto tudo, que me parece típica de nossa modernidade, onde desejamos algo, sabemos de alguma forma que teremos que abrir mão de algumas coisas para alcançar isto, mas não cessamos de nos lamentar e encolerizar pelo que abrimos mão. E nisto lembro da quantidade de vezes ao dia que tomamos contato com coisas que dizem respeito as tais tradições da sociedade e o career opportunites, e a vontade de se colocar a venda num alto preço dentro do mercado de trabalho. Creio por fim, de que tal lamentação pela instituição familiar, apenas pode se dar em nossa contemporaneidade.