quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Blues - Robert Crumb


Já conhecia Crumb de uma obra sua mais recente: “Genesis”, uma adaptação do primeiro livro da bíblia para os quadrinhos. Gostei muito, pois o autor traz sempre um texto explicando o processo de pesquisa para o trabalho e algo para complementar. No caso de “Blues” ele vai demonstrar um pouco mais de sua erudição.

Evitando os bluesman mais famosos, Crumb busca ir o mais remotamente possível, mas não por uma busca as raízes da questão, mas sim por outros motivos. Ele vai colocar que só fora possível conhecer aquela música pré explosão da venda de discos por uma sorte, já que este tipo de música, como o começo do Blues por exemplo, era considerada uma música de menor valor artístico, e sua gravação ocorria apenas para que os caipiras tivessem o que ouvir, e consequentemente comprar, os novos tocadores de discos que surgiam no mercado, a preços mais acessíveis. O que vai reforçar as críticas de Crumb ao mercado fonográfico em geral, assim como as lamentações por um tempo já passado, e ao mesmo tempo vai explicar seu fascínio pelo tempo já passado que é retratado nesses seus quadrinhos (caso queiram saber melhor do que estou falando, digitem Robert Crumb no buscador de imagens e observem bem a roupa deste sujeito).

Primeiro ele vou tratar de relação de amores que muitos de nós (fãs de música) acabamos tendo com o passado. Geralmente se fala em grandes bandas: Beatles, Rolling Stones, Ella Fitzgerald, Nat King Cole, Mozart ou Bach. Mas para Crumb estes sujeitos podem até ser músicos melhores que desprezíveis, mas Ella, Paul e Bach não passam de sujeitos tão vendáveis e comercias quanto uma Britney Spears ou Bro'z. E agora reforço eu o argumento de Crumb pedindo para que vocês vão um dia e entrem numa loja de discos e observem quantos produtos existem dos Beatles por exemplo, sei que até tênis do Joy Division existe. Enquanto a Mozart? Bem, Crumb vai nos lembrar de que estes músicos clássicos (desculpas mas não sei a diferença entre românticos ou barrocos, por exemplo) não passavam de músicos da corte, que acabavam fazendo nada mais do que uma trilha sonora para o que ocorria na corte, já que poucos realmente se importavam com a música mesmo1.

Remetendo aos quadros de Bruegel o quadrinista vai dizer que dali podemos pegar um pouco de como era a música do povão, deduzimos um pouco pelos movimentos que fazem ao dançar como era a música, mas não há partitura ou gravação em áudio. O fole está na rua, ao céu aberto para todo mundo poder ouvir, enquanto a música erudita, de corte, racionalizada (partitura), se encontrava em espaços restitos2. Neste sentido o fascínio deste estadounidense pelas primeiras décadas do século XX se dá por causa da sorte (ou acaso?) de termos alguma coisa gravada e assim termos resquícios suficientes. Além de que para ele é com esta música que consegue se sentir bem.

A própria história de vida dos bluesman vai demonstrar este amor pela música, não por acaso ser tão comum a história de vender a alma para o diabo em troca do dom de tocar magnificamente um violão, quer dizer, você tinha que encarnar mesmo no violão, deveria dedicar sua vida a isto. E se dedicando com todas as forças a música, acabava tendo que “vender sua alma”.

Neste ponto esta música popular, do povão mesmo, com sangue, suor e álcool pode se mostrar maravilhosa devido a sua energia e intensidade, basta ouvir o maracatu na rua ou imaginar a festa de santo reis, cantada por Tim Maia.

E como diria Chico Science, “basta soar bem aos ouvidos”.

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1Creio que o filme Mozart traz um pouco desta relação, de como no geral a música de corte era tratada enquanto “perfumaria” ou “música de fundo”. Peter Gay vai tratar em “A experiência Burguesa da rainha Vitória a Freud” (não lembro em qual volume), melhor a forma como ao longo do tempo fora investido num maior controle sobre a apreciação da arte, no sentido de produção crítica indicando o bom e o ruim, e os controles frente a ela, como o de ficar completamente imóvel quando se assistia a uma ópera ou concerto, apenas apreciando a arte.

2Como traz Max Weber na introdução de “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, apenas no ocidente que se colocou a música em partituras como as nossas, que indicam não só as notas, como também o tempo, a própria divisão em duas claves (sol e fá) e outros fatores particulares.

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Abaixo um dos quadros de Bruegel, famoso pintor por seus quadros magníficos com todo este fervilhar e vida.

Procurando coisas encontrei uma postagem sobre o álbum do qual se origina a capa desta obra de R. Crumb (aqui), além disso parece ser um ótimo blog para se visitar.