quinta-feira, 21 de julho de 2011

Espelho das cidades - Henri-Pierre Jeudy

Quem já passou pela experiência de viajar a turismo talvez tenha em algum momento percebido a forma como se constroem cidades espetáculos. Ou melhor como há bolhas dentro das cidades construídas exclusivamente para turistas. Seja com uma museificação do espaço, levando a petrificação do lugar (Paraty no estado do Rio), ou seja com a criação de cidades cenográficas (Gramado, Rio Grande do Sul). Atualmente é prática comum. Blumenau, SC, cidade onde nasci e moro, não se pretende de forma diferente – e creio não ser a única – em se montar de forma espetacular[1], seja por uma petrificação museificante ou por um esforço em se criar uma cidade cenográfica. Em geral estas políticas voltadas ao turismo seguem uma tendência de aeroportos e shoppings centers – iguais onde quer que você vá.

Além destas políticas de museificação e cidade cenográfica, há também as famosas e elogiadas políticas de revitalização. Geralmente o local escolhido é próximo a um porto, as casas estão naquilo que chamamos de péssimas condições e a população é de baixa renda. Normalmente ficamos muito contentes com estas políticas do século XIX renovadas, que nada mais fazem do que expulsar a população pobre/indesejada dali a transferindo para outro lugar, mesmo que a prefeitura não despeje os habitantes os aumentos na região revitalizada (impostos, aluguel, preços de mercadorias...) fazem isto sem que pareça uma repetição da demolição do cabeça de porco[2].

O que muitas vezes esquecemos como turistas é perceber os usos políticos contidos nestas representações arquitetônicas, que são mantidas ou, reavivadas com a construção de réplicas que remetem a algum tempo idealizado. Em geral podemos perceber este uso político da imagem trabalhada de uma cidade refletida não só no turismo como, também, na própria identidade da população. Em geral no Brasil e me parece que para a América Latina de forma geral também, há uma exaltação por uma Europa idealizada, não por acaso boa parte dos destinos turísticos remetem a esta Europa idealizada, Gramado, Canela, (RS) Blumenau, Pomerode (SC) entre outras são cidades que não escapam a esta regra. Querendo ou não, boa parte do turismo para Argentina e Uruguai se dá por esta sua fama de “europeus da América do Sul”. Este investimento na imagem da cidade reflete de alguma forma na identidade da população, desde ares daquilo que podemos nomear de esnobes, ou até mesmo xenófobos.

Campos do Jordão (SP) entra também nesta trincheira do investimento turístico, a cidade cheira a turismo, me quedo a pensar o que aconteceria se do nada, como que numa magia, os turistas deixassem de visitar a cidade? Não sou especialista no assunto, mas creio piamente que seria um desastre...

Para além destas cidadezinhas pequenas que praticamente vivem do turismo (que se mostra numa renovação daquelas cidades que vivem ao redor de uma mina ou fábrica) temos o turismo para as grandes cidades. De forma geral estas grandes cidades vão se vendendo enquanto redutos de cultura, e aqui não posso deixar de citar a virada cultural de São Paulo, que por sinal deu muita popularidade para o prefeito da cidade então – só para lembrar do uso político.

Para finalizar, temos cidades passando por políticas semelhantes em seus espaços, considero vital olharmos para esta movimentação. Peço por um esforço em olharmos para além do bem e do mal, deixarmos de ver com aquele olhar simplista e “inocente” de que investindo no turismo virá dinheiro para a cidade e ponto final, acabou ai o assunto. Poderíamos pensar também que este tiro possa sair pela culatra já que custa caro investir na estrutura julgada necessário para o turismo (ouvi ai alguém sussurrando copa ou olimpíada?), talvez pensarmos na população que já está ali e será que riqueza se dá unicamente pelo acumulo de capital? Podem pensar que sou contra este investimento cultural que ocorre de forma geral nas cidades grandes, mas creio que poderíamos lembrar antes da situação cultural em outras cidades, como estão as movimentações artísticas em Punta Del Este e Campos do Jordão? O que tem para além do espetáculo? O que se esconde atrás do papelão que cobre as cidades cenográficas que tanto são fotografadas? E outras coisas mais. Além do mais, boa parte da população vive em cidades e estas passam por processos semelhantes, será que já não é motivo de sobra para pensar a cidade?

Aqui tem a apresentação do livro, escrita por Paola Berenstein Jacques:

http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/04.042/3156



[1] Me perdoem o trocadilho, para deixar claro, me refiro sim ao conceito de cidade espetáculo.

[2] Aqui valeria lembrar o trecho do livro do historiador Sidney Chalhoub chamado Cidade Febril que trata da demolição dos cortiços no Rio de Janeiro e de outras políticas modernizantes para com a cidade – e a população urbana.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Kurt Cobain: Fragmentos de uma autobiografia - Marcelo Orozco

          Para aqueles que se interessam pelo som da banda Nirvana, por Kurt Cobain e/ou por entender um pouco mais das composições da banda, “Kurt Cobain: Fragmentos de uma autobiografia” é uma boa pedida.

          Sem querer extrapolar as letras ligando-as a filosofias ou teorias sem cabimento ou ainda cair na superficialidade de “curiosidades” e polêmicas em torno de um artista ou banda, este livro de Marcelo Orozco é uma bela obra para pensar as confusas e fragmentadas composições de Cobain. Transitando numa linha tênue entre um estudo artístico e uma biografia, Orozco vai às letras e ao contexto de sua composição para pensar o que estes fragmentos tão subjetivos e poéticos carregam dos sentimentos, experiências e conflitos do vocalista do Nirvana. O livro tem grande força ao não isolar as letras, ensimesmando-as, conectando temas, frases e acontecimentos.

          O autor analisa álbum por álbum, letra por letra da banda, inclusive em músicas covers, para entender o que as levou a comporem o repertório da banda. Mesmo as músicas que não saíram em álbuns, que foram tocadas somente ao vivo ou demos gravadas em fitas, são trazidas e analizadas neste livro. 

         Orozco escreve nas primeiras páginas as condições de formação e desenvolvimento do Nirvana, faz uma breve cronologia, ano a ano, dos acontecimentos que marcaram a carreira da banda e de seus integrantes. Mesmo elegendo Kurt como personagem principal desta história, o livro apresenta as ligações de Cobai com sua esposa, Courtney Love, com Chad Channing baterista do Nirvana até o primeiro álbum (Bleach), com o baixista Krist Novoselic, Dave Grohl (baterista a partir do álbum Nevermind) e muitos outros personagens (humanos ou não...) que fizeram da vida e das composições de Kurt o que são. 

          Obviamente, Orozco não traz as respostas a todas as perguntas em torno da figura de Kurt Cobain. Porém, faz um grande esforço para reunir informações que o permitam pensar tais “fragmentos de uma autobiografia” de forma coesa e interessantíssima.


sexta-feira, 1 de julho de 2011

O Grupo Baader Meinhof - Uli Edel (dir.)

O filme trata de contar os primeiros anos (o grupo existiu até 1998) do grupo alemão Rote Armee Fraktion, mais conhecido como grupo Baader-meinhof. O bacana do filme é que ele não esquece de trazer algumas questões que eram o assunto do dia na época, como a Alemanha repartida entre os principais países vencedores após a segunda guerra. Do lado ocidental temos uma Alemanha altamente influenciada pelos EUA, que já estavam no Vietnam – é deste lado do muro que surge o grupo. Não podemos esquecer também todo o clima de mudança que estava ocorrendo na época (espero que 1968 diga alguma coisa). Para quem não sabe a Alemanha tem uma série de questões desagradáveis, cito aqui a título de exemplo a questão educacional deles, onde os alunos passam por uma triagem aos 10 anos de idade que irá influenciar mais tarde se ele irá fazer uma faculdade ou um técnico, definindo em grande peso possibilidades financeiras, citando o assunto a grosso modo[1]. Havia ainda – e isto é de forma comum para o mundo ocidental – um sistema penitenciário muito duro, falo isto com foco nos reformatórios (já que muitos integrantes do grupo vinham daí). Bem, pesquisando um pouco e assistindo o filme[2] creio que ficará mais claro do que se eu tentar explicar.

Neste contexto organizações que apostam no meio armado como saída para fins políticos aparecem: Frente Popular de Libertação da Palestina, Exército Vermelho Japonês, Tupamaros, Montoneros, além da recente guerra da Argélia e os movimentos anti-coloniais e a revolução Cubana, dão um pano de fundo para o surgimento de Baader-meinhof na Alemanha (ocidental).

De forma geral a primeira coisa que se faz ao se falar de terrorismo, em especial quando se discute algum destes grupos inseridos num período de guerra fria, é escolher um lado e acusá-lo ou defende-lo até o fim, algo como: “Eles estavam certos”, “Eles estavam errados”. O filme não vai por este caminho, pois claramente mostra o autoritarismo de Andreas Baader, por exemplo, assim como as terríveis situações de autoritarismo do próprio governo. Aqui creio ser importante superar esta herança de guerra fria que temos em nós e propagamos muitas vezes, e proponho entender o assunto para além de bem contra o mal (ou se quiserem de direita contra esquerda). Nisto li uma entrevista do diretor do filme, onde ele prezava por um ponto importante, e faço coro a isto. A questão que me soa mais central, é pensar o que leva alguém a largar toda monotonia rítmica de sua vida mudando-a completamente para pegar em armas e/ou colocar bombas? Porque uma famosa jornalista vai abandonar sua carreira para se tornar uma guerrilheira urbana? Bem, aqui quero lembrar do Estado policial que se tornava a Alemanha no período. Não esqueçamos que a Alemanha formava a fronteira com a cortina de ferro, por isso estava próxima ao “inimigo”. Certamente sob este pretexto inúmeras medidas de exceção vinham se tornando regra. Isto acaba gerando desconfortos que levaram ao surgimento de vários grupos, com práticas variadas, entre eles o Baader-Meinhof. E aqui, apesar de soar algo muito diplomático, é importante dar espaço e autonomia para que as pessoas possam ter maior (acho complicada esta palavra) liberdade, e aqui não falo em restrito ao Estado, sempre apontado por todos os dedos, mas a própria preocupação que me ataca constantemente nos e-mails que recebo sobre a união civil gay, por exemplo. O que me interessa, qual importância tem para mim saber o que o outro faz na cama? Porque eu tenho que mandar e-mails dizendo como as pessoas devem ser?

Certamente, e aqui me firmo sobre um senso comum, tais práticas tomadas pelo grupo alemão foram condicionadas por um certo desespero. Assim como os grupos do terceiro mundo, que escolheram tal atitude como um meio de pedir atenção. Muitas vezes ela se mostrando como a resposta mais direta e imediata, apesar de nem sempre ser a mais eficiente, porém muitas vezes apontada como única forma[3].

*

Considero interessante e válido se debruçar sobre esta vontade de futuro que se mostra firme desde a revolução francesa. Podemos observar, tanto num grupo ou n’outro uma vontade para o futuro, o planejamento de como deverá ser, como temos que ir construindo. Isto está claro em partidos políticos, igrejas, a grande maioria das ideologias (tanto da esquerda quanto da direita) e as teorias totalizantes. Não gosto deste desejo de criar um caminho, feito uma grande rodovia, por onde todos devem passar, frases como “o caminho do bem ou do mal, está comigo ou contra mim, ou eles ou nós”, me soam como vontades totalizantes. Este tipo de discurso já não consigo mais acreditar. Por isso entendo os movimentos extremamente focados que ocorrem hoje, a exemplo da luta contra homofobia, acabam se tornando mais eficientes do que toda uma teoria que vai abarcar o máximo de coisas, como se fosse o máximo de tijolos para construir uma estrada para a liberdade. E por isso digo que somos vítimas da guerra fria, pois acreditamos que a escolha de uma teoria totalizante, uma teoria que se propõem dar conta do todo, vai levar a generalizações e esta idéia de guerra na vida civil, ocasionando este “eles contra nós”, esta bipolaridade, que encontramos em tantas esferas. E deixo uma pergunta sobre esta bipolaridade, qual diferença havia entre uma fábrica da Alemanha Oriental em relação a Alemanha Ocidental? Nenhuma significante, isto é certo.

Trailer:


[1] Conheço pouco do assunto e ele mereceria no mínimo um post, sobre o sistema educacional se não me engano, esta divisão na Alemanha das escolas em três tipos datam do século XIX, apesar de todo um mote de discussões sobre o assunto e a autonomia de cada estado (o que poda a possibilidade de simples generalização), ainda assim este sistema gera muitas complicações.

[2] Recomendo também o filme “Z” de Costa Gavras.

[3] E aqui vale a pena recordar a cena tensa de Batalha de Argel, onde preparam uma bomba para colocar em locais públicos, gerando também um desconforto para quem vai colocar a bomba sabendo que irá ferir pessoas.