quinta-feira, 23 de junho de 2011

Crime e Castigo - Fiódor Dostoiévski

O século XIX é interessante por todas as questões que estavam no ar durante o período. A ciência, me parece, surgia como a grande aposta do dia, não por acaso hoje a ciência dá o tom para nossas disputas em torno da verdade – e neste ponto Nietzsche é certeiro ao anunciar a “morte” de Deus e seus “assassinos”.

Dostoiévski está claramente inserido neste contexto. Se sabe que ele recebera uma educação formal européia-iluminista (ou vocês acham que desde sempre se estudou matemática, geografia, história, física, química, na escola?) apesar de ser marcado por uma forte tradição religiosa, que na época se encontrava em maior atuação. Crime e castigo deixa por entre suas páginas escapar um pouco do “espírito da época”, em especial no que vai tanger a Rússia e sua particular situação. O período em que viveu Fiódor é considerado um dos mais produtivos para Rússia até então, não por acaso que boa parte dos escritores clássicos russos são deste período. Mesmo com uma minoria absoluta freqüentando universidades, a população universitária aumenta significativamente neste período. Algumas coisas que esta edição da Editora 34 traz em notas de rodapé e no prefácio de Bezerra colaboram em muito para perceber estas minúcias deixadas ao longo da história.

Um fato que me ronda já desde antes de ler este romance é a má impressão que o capitalismo deixou em Fiódor Dostoiévski, onde este sempre aparece de forma degenerada. A figura deste russo é muito interessante, pois estava atento ao que ocorria, mas nem por isso se deixava seduzir pelo que se papagaiava nas ruas. Um caráter marcante ao longo do livro é a presença da cidade, e aqui faço repito palavras de Adriana Mattos de Caúla[1], afirmando que a cidade aparece como coadjuvante ao longo da história. E isto até então não havia percebido, como a cidade está sempre ali na obra de Dostoiévski e como a cidade (São Petersburgo) é narrada de forma repugnante em Crime e Castigo, principalmente pelo cheiro ruim que existe na cidade durante o verão, devido aos pântanos – fato que já havia sabido por outros lugares – e alguns tipos urbanos. O corredor que o leva para a delegacia é um lugar que o deixa nauseabundo. Os tipos urbanos que Dostoiévski narra, essas pessoas que percebemos na rua apenas quando caminhamos, também são criadas e descritas de tal forma impressionante. Crime e Castigo me parece em grande sintonia com Notas do Subsolo, ambos os personagens são sujeitos muito próximos daquilo que chamamos muitas vezes de “louquinhos” e confesso que adoro estes tipos criados por Fiódor. O livro conseguiu me colocar em tal estado “psicológico” que poucas vezes consigo alcançar. A atmosfera em que se desenrola a história é algo muito envolvente, para tal basta assistir a pickpocket[2] ou Nina[3], ambos filmes que são adaptação da obra de Dostoiévski, que mesmo sendo em outro suporte conseguem nos levar a uma sensação se aflição tal como poucas obras conseguem.

O livro se preza por uma questão que dificilmente conseguimos discutir sem estarmos amarrados as correntes habituais. E para mim ai está a originalidade deste russo, por conseguir desenvolver caminhos que transitam por lugares pouco habituais, em especial se levarmos em consideração os limites de seu tempo, e digo isto apesar de não acreditar que neste escritor se possa encontrar algum manual da vida, e este é o fato que me faz ver nele para além de uma história que me entretenha – fato cada vez mais difícil de ser visto por mim.



[1] O artigo de Adriana Caúla se encontra no livro “Corpos e Cenários Urbanos”.

[2] Filme de Robert Bresson, de 1959, e apesar de não ser uma adaptação tão clara, traz inúmeras questões e referências diretas ao livro.

[3] Filme dirigido por Heitor Dhália de 2004, é também uma adaptação mais “moderna” da obra, porém este filme é claramente um pouco mais próximo da obra.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Brazil - O Filme


Conheci este filme por meio de um cartaz, onde um sujeito era engolido pelo prédio (este). Depois de alguns anos li um artigo que tratava de filmes onde a cidade era coadjuvante na história, dentre a lista de filmes (praticamente todos de ficção científica) estava Brazil. Me deu vontade de assistir e o vi.

Confesso que seu roteiro não segue uma linha reta, como estamos acostumados, mas isto tão pouco fora o problema. Há uma forte crítica temperada com humor negro no filme. O nome Brazil se dá por tocar uma música brasileira, que conhecemos bem, cantada em inglês. A idéia era contrastar uma música tão bonita com algo tão esquisito e feio, como uma cidade pode ser.

O filme é ambientado num futuro próximo, onde o controle do estado é enorme. A presença da burocracia é forte, podemos perceber isto praticamente pelo mesmo uso que Kieslowski faz no seu curta “O escritório”, onde se mostra o estômago da burocracia filmando uma repartição publica e seus tentáculos com a constante aparição de papéis. Nisto a figura de um carimbo carimbado num papel indicando que ele pode ser carimbado (deu para entender?) pode ser uma forma prática de ilustrar o que é burocracia. Não por acaso um dos personagens do filme, que fugia da burocracia, é engolido por ela mais tarde, não conseguindo se livrar dela e dissolvendo-se no meio de papéis.

Creio que estas questões envolvendo um Estado forte e o controle sobre a população, são clichês das ficções científicas.

Outra questão que o filme traz é a constante preocupação estética das pessoas. Uma das personagens está constantemente realizando cirurgias plásticas para ficar mais jovem, chegando ao ponto de aparecer de uma forma diferente em cada momento do filme, criando dificuldades em ser reconhecida por seu filho. É algo que me chamou atenção, pois nos momentos em que esta personagem em especial aparece, percebemos toda uma tentativa em demonstrar a futilidade de uma alta sociedade - talvez a palavra certa seja apatia.

O filme, como várias ficções científicas, me parece trazer as angústias do presente, pois se trata num futuro próximo, e nosso modo de pensar progressista (a tradicional linha de evolução), as coisas só vão se tornando mais “evoluídas” e por isto mais críticas. Por outro lado, o que podemos imaginar também é que esta forma de elevar ao quadrado, possa ser uma forma de tornar o problema mais visível, é uma franca maneira de torná-lo mais gritante, especialmente pelo fato de lidarmos com uma série de coisas todos os dias que justamente por isso acabam ganhando o tom de normalidade.